Horton Foote morreu: quem?
Um dos maiores argumentistas da segunda metade do século XX morreu, e os jornais não sabem muito bem o que fazer com ele.
Na tradição discreta, quase anónima dos argumentistas, cujo trabalho - o guião cinematográfico - não tem valor em si mesmo, servindo sempre para valorizar o trabalho de terceiros (o guião nunca é um fim, é sempre um meio, um esboço, uma planta, um projecto de engenharia mental), Foote era o supremo "unsung hero": os seus heróis (?) eram gente como ele, que não se vê, não se nota, texanos proletários e trabalhadores rurais, cantores de "country" zangados com o romantismo para toda a vida, mulheres agarradas aos objectos de infância, miúdos que, mesmo quando transportados para o sudeste, têm saudades do que nunca foram, e passam mais tempo a ouvir as histórias dos pais e dos avós do que excitados com a irresistível mudança dos tempos.
Horton Foote ganhou dois Óscares (pela lindíssima adaptação de "To Kill a Mockingbird" de Harper Lee, a talentosa amiga de infância de Truman Capote, em 1963, e por "Tender Mercies", 29 anos depois), um Emmy (autor de telefilmes maduros e reflexivos, sobretudo com Peter Masterson, conseguiu-o graças a "Old Man", uma adaptação de Faulkner) e o Pulitzer teatral por "The Young Man from Atlanta". Cantava, ao pôr do sol, os pecadilhos da gente comum, num lirismo redentor distante do heroísmo fácil dos cowboys, dos triunfos da indústria petrolífera, da força da "civilização". Os seus conflitos eram interiores, o seu universo a ruralidade (de certa forma ,nunca deixou de escrever sobre a terra natal, Wharton, uma vilazinha agrícola a 80 kilómetros de Houston).
Se quiserem conhecê-lo, podem começar por "Tender Mercies": é a melhor interpretação da carreira de Duvall (o que não é dizer pouco), e a escrita, outra vez solitária, sobre alguém que quer voltar a caminhar como um homem, já não é deste tempo. Mas deveria ser.
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