Os livros que lemos e quando os lemos
Batalhas sangrentas, estadistas megalómanos, os mais utópicos dos profetas, alguns laboriosos cientistas, bombistas coléricos, talvez mesmo predicantes economistas, antropólogos ou criminosos em série influenciaram, em algum momento, o curso do mundo em que viveram, moldando assim o que cada um de nós é hoje e, por tabela, o mundo em que vivemos. Tenho a certeza de que o meu interesse perverso por Billy the Kid – que aos 21anos registava a tétrica contabilidade de um morto por cada ano de vida – o meu fascínio cheio de segundas intenções por Madame Curie, uma camisa que, em teenager, usei com colarinho à Dr. Jivago, terão influenciado o que sou hoje e que, confesso, oscila entre a vontade de ser um assassino com ética, o desejo de me fechar no primeiro laboratório com a mais radioactiva das físicas e o nobre idealismo individualista do médico de Pasternak.
Por maioria de razão, os livros que lemos acabam por pintar, a cores mais alegres ou mais sombrias, a personalidade que temos. Os livros que lemos e quando os lemos, tal e qual como os que não lemos quando os devíamos ter lido.
Escrevo isto enquanto folheio, de Andrew Taylor, um livro de despretensiosa divulgação, “Books That Changed the World”. Folheio-o com uma mão enquanto, com a outra, ergo, triunfal e autoritário, “Porquê Ler os Clássicos” de Italo Calvino.
Descobri, assim, apavorado, que a minha vida podia ter sido diferente. Com alguma comiseração biográfica, Goethe escreveu “Os Sofrimentos do Jovem Werther” em 1774. Escassos anos depois, dois apenas, Adam Smith redigiu, com porfiado método, a “A Riqueza das Nações”. O que é que me terá levado, em data incerta, entre 68 e 70, a ler o suicidário Werther, desconhecendo olimpicamente o ensaio de Smith? O romance de Goethe, que li em tradução brasileira e livro de bolso, por mais que eu queira não me sai da cabeça e, por mais que eu não queira, virá sempre atrapalhar-me no amor. Não me arrasta para o suicídio exasperado e romântico, é certo, mas faz-me imaginar que leio os cantos de Ossian à mulher amada, com a consequente e arrebatada erupção amorosa, “beijos vorazes” e proibidos (ou porque proibidos?), afogados gritos e fuga para reservados aposentos.
Por maioria de razão, os livros que lemos acabam por pintar, a cores mais alegres ou mais sombrias, a personalidade que temos. Os livros que lemos e quando os lemos, tal e qual como os que não lemos quando os devíamos ter lido.
Escrevo isto enquanto folheio, de Andrew Taylor, um livro de despretensiosa divulgação, “Books That Changed the World”. Folheio-o com uma mão enquanto, com a outra, ergo, triunfal e autoritário, “Porquê Ler os Clássicos” de Italo Calvino.
Descobri, assim, apavorado, que a minha vida podia ter sido diferente. Com alguma comiseração biográfica, Goethe escreveu “Os Sofrimentos do Jovem Werther” em 1774. Escassos anos depois, dois apenas, Adam Smith redigiu, com porfiado método, a “A Riqueza das Nações”. O que é que me terá levado, em data incerta, entre 68 e 70, a ler o suicidário Werther, desconhecendo olimpicamente o ensaio de Smith? O romance de Goethe, que li em tradução brasileira e livro de bolso, por mais que eu queira não me sai da cabeça e, por mais que eu não queira, virá sempre atrapalhar-me no amor. Não me arrasta para o suicídio exasperado e romântico, é certo, mas faz-me imaginar que leio os cantos de Ossian à mulher amada, com a consequente e arrebatada erupção amorosa, “beijos vorazes” e proibidos (ou porque proibidos?), afogados gritos e fuga para reservados aposentos.
Se eu tivesse então lido “A Riqueza das Nações” a que outros arrebatamentos teria sido transportado? Estaria eu muito mais interessado na “mão invisíivel do mercado” do que nos “lábios trémulos e balbuciantes” de Charlotte?
Li “Moby Dick” de Melville em vez de ter lido “Das Kapital: Kritik der politischen Ökonomie” de Karl Marx, apesar de ambos serem ficções escritas na segunda metade do século XIX.
Seis anos separam o “Ulysses” de “O Amante de Lady Chatterly”, um e outro escritos na modernista década de 20, no século passado. Atraído pelas lições de classe e sexo de D.H.Lawrence, desrespeitei a cronologia e deixei para adiadas calendas a hermética subversão das convenções narrativas proposta por James Joyce.
Se, rapazinho, frescas faces e cheio de vida, tenho lido primeiro “Das Kapital” em vez do pescador de baleias, se tenho lido primeiro “Ulysses” em vez das saudáveis descrições sexuais de Lawrence, será que estaria hoje a braços com a crise do BPN? Ou enterrado num departamento de estudos semiológicos?
Li “Moby Dick” de Melville em vez de ter lido “Das Kapital: Kritik der politischen Ökonomie” de Karl Marx, apesar de ambos serem ficções escritas na segunda metade do século XIX.
Seis anos separam o “Ulysses” de “O Amante de Lady Chatterly”, um e outro escritos na modernista década de 20, no século passado. Atraído pelas lições de classe e sexo de D.H.Lawrence, desrespeitei a cronologia e deixei para adiadas calendas a hermética subversão das convenções narrativas proposta por James Joyce.
Se, rapazinho, frescas faces e cheio de vida, tenho lido primeiro “Das Kapital” em vez do pescador de baleias, se tenho lido primeiro “Ulysses” em vez das saudáveis descrições sexuais de Lawrence, será que estaria hoje a braços com a crise do BPN? Ou enterrado num departamento de estudos semiológicos?
Feliz por ter lido o que li, e quando li, tranquiliza-me o que acabei mesmo agora de ler em Calvino: “Um clássico é um livro que vem antes de outros clássicos, mas quem leu primeiro os outros e depois lê esse, reconhece logo o seu lugar na genealogia."
9 comentários:
Pois eu li "Die Leiden des jungen Werthers" antes de poder perceber o que aquilo era e, por isso, a sensação de tédio que Goethe me dá. Sim, li este post e não posso deixar de concordar. O momento em que lemos fica indissociável do nosso percurso de vida. E se eu tivesse lido o "Werther" quando li "The Wealth of Nations"? Só que, apesar de lidos em idades diferentes, apreendo-os como entediantes. Teria sido diferente se a sucessão fosse a inversa? Não sei. Mas, ao fim e ao cabo, ainda bem que li "On the Origin of Species" ao invés de "Das Kapital". Os tempos vão com tantas agruras que, quiçá, me tivesse acidulado o pensamento ter lido Marx em vez de Darwin.
Meus amigos deste "mundo" das tecnologias: leio muito por gosto e por imperativo da profissão. Não gosto de obras escritas noutras línguas,apesar de dominar ,perfeitamente, o inglês, o francês e o italiano. Por isso não quero "armar-me" em sabichona e comentar estas obras ,a que alude o autor do prim.comment.
" Werther" estudei-o e não percebi nada daquilo, senão, mais tarde, quando já era adulta.
Mas acabei de ler "O segredo da raínha velha", de Fina D'Armada,editora Ésquilo.É uma visão excepcional da época dos descobrimentos, do papel dos nossos reis a eles interligados,como D'JoãoII, D.ManuelI,os Templários...
Humildemente, recomendo-o...
A ordem porque li este ou aquele livro tem mais a ver com a ordem a que se tornvam disponíveis para mim nas bibliotecas, daí que não possa tirar grandes ilações filosóficas do facto.
Apenas de ter pena de não ter nascido numa casa com biblioteca própria.
Mas tive uma sorte.
Na minha rua morava uma senhora gorda alentejana indolente e péssima dona de casa casada com um taxista benfiquista que pintava o cabelo. Tinham seis filhos e uma casa desarrumada.
Nas traseiras da casa criavam porcos.
Reinava o riso e o grito, para desespero do meu pai.
Aquela casa não era ampla, nem cheirava a cera e a flores e a tarte de maça acabada de fazer como a nossa.
A despeito de qualquer lógica, a senhora comprava compulsivamente livros, coleccionava-os. Fazia colecções do Círculo de Leitores.
Foi a minha segunda casa e no Verão, a primeira. Passava lá os dias, sentada a um canto na marquise a ler.
Naquele tempo gostava de Garcia Marquez e desconfiava que aquelas sestas ás quatro da tarde nos trópicos não eram muito católicas. Tinha 12 anos.
A senhora chamava-se D. Lurdes e devo-lhe mais do que possa imaginar.
Caro Manuel, penso que por já ser quem era (e ainda é) é que não leu primeiro "A Riqueza das Nações" ou o "Das Kapital". Não é possível fugirmos a nós próprios. Mais, mesmo que os tivesse lido na altura, jamais estaria hoje a braços com o BPN ou interessado na Mão Invisível do mercado.
Ao contrário de si e da Blonde... (suponho que seja "a" Blonde e não "o", ainda que tenha pensado o contrário da Lusibero que cuidei ser "o" e afinal é "a") não li nenhuma das obras por si citadas (do Calvino recordo com gosto a trilogia do “Visconde Partido ao Meio”, etc).
Pela minha parte, gostei de ler coisas tão dispares como "O Herói de 15 Anos" (do J. Verne), o “Catcher in the Rye” (do J.D. Salinger), “L'Audace de Vivre” (de um senhor chamado Arnaud Desjardins) ou qualquer um dos livros do John Irving (para alguns, o Dickens dos nossos dias).
Mas, marcaram-me também muitos artigos de revistas (que sempre li com voracidade). Não esqueço, por exemplo, na Time, Pico Iyer a escrever sobre o silêncio ou, a propósito da coragem, um editorial sobre um jornalista chamado James Brown (como o cantor).
Mais recentemente, e como pai, gostei do “Sermão ao Meu Sucessor” (ou coisa parecida) do Marquês de Fronteira e Alorna. Não tenho títulos para deixar mas a dignidade e a honra podem ser património de qualquer um.
Penso que alguém viu uma "crítica",onde a não havia.Procurei dar um testemunho pessoal sobre obras que eu não li,(e fez muito bem!)porque não gosto de ler obras noutra Língua..como, aliás, referi no meu coment.
Se ofendi as susceptibilidades de alguém,dou-vos A MINHA PALAVRA DE HONRA,de que não foi intencional!
Um sincero e afectuoso pedido de desculpas.
Agradeço os comentários e as sugestões de leitura. Nunca fui, JP, um verdadeiro apaixonado de Verne, mas o Salinger faz parte das minhas mais secretas inclinações.
Sempre desconfiei das mulheres gordas, alentejanas, indolentes e péssimas donas de casa e de taxistas benfiquistas que pintam o cabelo. Esta "senhora gorda alentejana indolente e péssima dona de casa" tinha a extravagância de "comprar compulsivamente livros" - e logo colecções inteiras do Círculo de Leitores. Porra! Isto é realmente "a despeito de qualquer lógica". Isto dos livros só encaixa em mulheres magras, cosmopolitas, enérgicas e boas donas de casa. Vê-se logo que o marido, taxista benfiquista, pinta o cabelo. Tivesse ele o cabelo grisalho, punha a alentejana gorda no seu devido lugar - que era a tratar dos porcos.
Ó dr.ºa Sofia, por amor de Deus, não há cu que a ature. A sua casa cheirava a cera, a flores e a tarte de maçã acabada de fazer. E a gorda alentejana é que lhe dava a ler. Já viu a senhora doutora o ridículo da história?
Afinal percebeu, não há ridículo nenhum na história.
Marcou-me para a vida.
Adoro livros, sou gorda e uma dona de casa fraquinha!
Faça dieta e exercício, que a gordura não dá saúde a ninguém. Deve ter sido da tarde da maçã.
Enviar um comentário