O tampão
A experiência profissional de dez anos, em dois planos distintos, até porque também sou trabalhadora dependente, as novas questões económicas, das empresas, e os seus reflexos sociais, temáticas como o desemprego ou os novos conceitos como a flexisegurança e a deslocalização, fazem-me sobretudo questionar paradigmas.
Que sentido e qual a valia de um edifício jurídico erigido sobre e para um modelo económico que mudou dramaticamente nas últimas décadas? Que dizer da realidade paralela dos milhares de trabalhadores falsamente independentes que não gozam de qualquer tipo de protecção? Como é possível que existam dois sectores - público e privado - com uma realidade tão díspar? Como é que se harmonizam os direitos dos trabalhadores com a realidade das empresas? Qual é hoje o papel dos sindicatos? Quais as consequências na economia e na competitividade nacional do regime existente?Como é que outros países têm abordado estas questões? Com que resultados?
Pode e deve o Direito do Trabalho ser um ramo de direito que busca soluções gerais que resistam ao avanço do tempo, conseguindo assim perenidade mas perdendo relevância no plano social, ou pelo contrário, ao querer intervir e dessa forma procurando a legtimidade pela caução da realidade, torna-se frágil e presa fácil de interesses difusos?
Escrevi este texto há dois anos, como parte da minha carta de motivação ao mestrado científico em Direito do Trabalho.
Lembrei-me dela por estes dias ao ver que o drama económico e social do desemprego, embora mencionado diariamente, não tem convocado nenhum especialista da área do Direito do Trabalho a manifestar-se.
Por estes dias, quando se fala do desemprego, fala-se apenas da necessidade de baixar a taxa social única, e de subsídios, ou seja fala-se do QUANTO, dos custos do trabalho. Isto é, essencialmente do Direito de Segurança Social.
Todavia, falta a coragem para encarar o problema do COMO, como se contratam os trabalhadores. Não é este o momento, para encarar o problema das formas legalmente admissíveis de contratar em Portugal? Ou de discutir a questão dos subsídios sociais, reforçando a sua concessão, mas em medidas efectivas combinadas com o mercado de trabalho? De que é que adianta conceder incentivos, se se desincentiva a contratação? Ora, o COMO, compete ao Direito do Trabalho.
Neste caso primam pela ausência, mais do que os políticos, os Professores e cultores do Direito do Trabalho. Pelo menos, que houvesse a coragem para fazer as perguntas. Por exemplo, seria ou não de abordar a possibilidade de adoptar medidas legais excepcionais, e limitadas no tempo, face ao quadro absolutamente execepcional em que vivemos?
Se contiuarmos a dificultar a contratação vamos criar um "tampão", de que o Estado, e todos nós, são os prejudicados, porque o Estado vai pagar com subsídios, aquilo que deviam ser os empregadores a pagar com salários.
Os Professores que conheço e com quem tive oportunidade de discutir a questão, nas universidades públicas, em Lisboa e em Coimbra, e numa Universidade privada - a Católica em Lisboa - discordam todos de mim. Esses Professores abarcam o leque partidário que vai desde o PCP,o PS,o PSD e o CDS.
Chegou o tempo de políticos e de Professores, com uma nova visão ( que é nova porque é a que resulta da experiência da vida de quem tem hoje trinta ou quarenta anos), procurarem novas soluções, que sejam efectivas soluções para a sociedade, para quem trabalha e para quem emprega.
Não posso admitir que me digam, como me disseram na entrevista, que eu estava aceite no mestrado, mas que ali não era o lugar para discutir o papel do Direito do Trabalho, mas tão somente as soluções do direito vigente.
Se o Direito se demite assim de dar soluções aos problemas, que os políticos chamem a si essa responsabilidade, que sempre foi sua, dando-lhe uma nova VISÃO. É certo que vão contar com a contestação de uns quantos, mas Portugal inteiro está à espera.
Esta análise impõe-se: antes que o desemprego atinja uma taxa de dois dígitos.
1 comentários:
Olá Sofia. Das soluções demite-se o Direito e demitiu-se uma enorme fila de governos, oposições empresários e sindicalistas no passado. Venha a análise que os dois dígitos, à velocidade a que vamos, são crua e cruelmente certos.
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