quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O Contrato

Até 2004 vigorava um regime, no que à contratação pelo Estado diz respeito, em que quem para ele trabalhava tinha, grosso modo, a condição de funcionário público (legalmente previsto como regra); de agentes administrativos - mediante contrato administrativo de provimento - figura muito usada para contratar docentes, por exemplo; ou ainda como "contratado".
( Não vou referir aqui a prestação de serviços porque embora frequente não fazia parte do elenco das figuras admissíveis - mas a merecer tratamento autónomo noutras circunstâncias.)
Os "contratados" que a lei admitia como ultima ratio estavam ligados ao Estado por um contrato de trabalho. Contrato de trabalho idêntico ao contrato de trabalho previsto e regulado na Leis de trabalho ( maxime na Lei Geral de Trabalho) mas que tinha a particularidade de ser um contrato a termo e de nunca se converter num contrato sem termo.
Ou seja, se uma escola contratava um docente com "contrato", podia fazê-lo durante um, dois, três, quatro, cinco, dez, quinze anos, esse contrato nunca se converteria num contrato sem termo ou seja nunca passaria a "efectivo".
Quer dizer, a uma forma de entrada menos exigente ao nível da forma de recrutamento, correspondia o vínculo mais débil e sempre, sempre, precário. Contrato significava então "contrato a termo" que o seria sempre enquanto durasse. Vi casos de pessoas há 15 anos nesta situação.
Com o tempo, este tornou-se um fenómeno de proporções gigantescas na Administração Pública.
Aliás, contribuiu para este estado de coisas célebre e controverso Acordão do Tribunal Constitucional. O Tribunal veio dizer que os contratos durassem o tempo que durassem e independentemente do número de renovações, nunca se converteriam em contratos sem termo, ditos "efectivos".
Em abono de verdade, e a esta distância, reconheço a dificuldade do TC, se tivesse dito o oposto, o número de "contratados" "efectivados" teria sido até hoje muito grande e teríamos o dobro das pessoas a trabalhar para o Estado.
Assim, com o recurso ao contrato contornavam-se as regras exigentes do concurso público e fazia-se entrar pela janela da função pública aquilo que não se conseguia fazer entrar pela porta.
Apesar da legislação existente nunca os dirigentes dos serviços foram punidos por esta prática ( e a lei diz que o são quando contratarem fora dos casos previstos na lei serão punidos disciplinar, civil e criminalmente), no que para mim reside a razão maior da inoperacionalidade das leis nesta matéria. O ilícito fica por punir.

Foi neste contexto que que nasceu o odioso do nome "contratado" na administração pública.
A Administração Pública tem a memória pesada e move-se devagar. Ninguém por lá esqueceu o que era um contratado - até porque muitos entraram com esse vínculo.
Estou certa que o novo regime que institui a figura do contrato como a forma típica de contratar - excepto para funções de soberania - vai merecer repúdio generalizado.
Até porque converte antigos funcionários públicos em contratados...
Obviamente que já não se trata de um contrato eternamente a termo, mas bastava conhecer um pouco da história da Administração Pública para saber da reacção que irá merecer.
Aliás, nem é só na Administração que o equívoco existe. Em Portugal, de forma genérica, diz-se que alguém está a "contrato" quando tem um contrato a termo e embora seja juridicamente inexacto porque contratados são todos (uns com termo outros sem), a expressão é usada e aceite genericamente.

Com um nome destes, vamos ter gente nas ruas e tribunais entupidos.

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