Ainda a Interpretação da Constituição e os Poderes Presidenciais
O Pedro Magalhães respondeu (com o brilhantismo habitual dele) ao meu post/comentário ao seu post no blog da SEDES. Vale a pena ler o texto integral mas cito o mais importante para lhe poder responder. Para o Pedro:
"É verdade que o PR interpreta a Constituição, e que pode ter querido afirmar em face de outro órgão político qual era a sua interpretação. Mas já agora, recordo ao Miguel que o Parlamento também intepreta a CRP. Ao deixar a coisa por aqui, o PR transformou isto num “conflito de interpretações”, entre a dele e a do Parlamento. O problema, claro, é que houve uma que prevaleceu, e não foi a dele.
Acho que um PR, no nosso sistema, não se deve colocar nesta posição. O papel do PR não é apenas o de ter uma interpretação da CRP - como o parlamento também tem - e ficamos assim. Ele tem poderes que mais ninguém tem - a preventiva - não só para afirmar a sua interpretação mas também para agir na base dela, solicitando o TC que decida sobre qual a interpretação que prevalece em última instância, procurando que seja a dele, claro. É isso que, na maioria dos casos (há algumas excepções que para aqui não interessam) os PR’s sempre fizeram: ao pedirem a preventiva, eles ao mesmo tempo afirmam uma interpretação da CRP diferente da do parlamento e procuram obter a necessária validação dessa interpretação. Não o fazer é nivelar por baixo a posição do PR no nosso sistema político, como a de um intérprete “entre outros” (ou até como um intérprete ao nível do parlamento, coisa que ele não é)."
O problema com esta posição é que, na prática, defende que os poderes do Presidente em matéria de apreciação da constitucionalidade se esgotam na possibilidade de solicitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade. Porque razão deveria o Presidente limitar os seus poderes de interpretação e aplicação da Constituição ao poder de solicitar a fiscalização da constitucionalidade ao Tribunal Constitucional? A Constituição é susceptível de ser interpretada pelo Presidente da República independentemente da fiscalização preventiva da constitucionalidade. Isto não significa que o Presidente tenha a última palavra. No nosso sistema isso pertence ao Tribunal Constitucional. O Pedro tem razão quando diz que, nesse caso, a Assembleia da República também pode interpretar a Constituição o que transforma a questão num conflito de interpretações. Só que, entre outras razões, é precisamente para dirimir eventuais conflitos de interpretação da Constituição entre diferentes actores políticos que o Tribunal Constitucional tem, nessa matéria e quando a tal solicitado, a autoridade última para determinar os limites jurídicos da interpretação política da Constituição. Onde a minha divergência com o Pedro assume um carácter determinante para o caso presente é que, na minha opinião, isto em nada prejudica a possibilidade de o Presidente da República pretender impor (ou convencer) a Assembleia da República da sua interpretação da Constituição independentemente de um juízo jurídico a realizar pelo TC. No fundo, o Presidente procurou exercer o seu poder político para impor à Assembleia da República aquela que lhe parece ser a interpretação adequada da Constituição num domínio particularmente sensível para os seus poderes. A Assembleia da República não aceitou tal interpretação. Trata-se de um conflito relativo à separação de poderes constitucionalmente estabelecida mas que o Presidente assumiu como um conflito a dirimir preferencialmente no domínio político e, perante o qual, cada um de nós pode e deve, igualmente, fazer um juízo político. O facto de o Presidente ter perdido essa batalha política não invalida a decisão de a assumir, em primeiro lugar, como política e não jurídica.
Claro que, não tendo o Presidente sido bem sucedido no campo político e continuando a fazer um juízo jurídico de clara inconstitucionalidade face ao Estatuto ele terá de agir em consequência: juridificando o conflito ao solicitar ao Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva da constitucionalidade. E também neste aspecto discordo do Pedro quando entende que, se o fizer, "o PR está exposto à ideia de que a sucessiva foi um second thought, de que só mandou por ter sido criticado por não ter mandado em preventiva." Não vejo porquê. Só será assim se partirmos do principio, de novo, que o Presidente não pode fazer um juízo político sobre a constitucionalidade de uma norma independente de um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade. Se aceitarmos a minha ideia de que a Constituição pode ser objecto de conflitos de interpretação com dimensão política e/ou jurídica e que os primeiros não se consumem nos segundos e podem ser autónomos destes o facto de o Presidente vir agora solicitar a fiscalização sucessiva da constitucionalidade em nada afecta o juízo político que fez sobre a mesma. O Presidente limitou-se a fazer uma interpretação dos seus poderes constitucionais que entendeu politicamente defender perante outro órgão de soberania, independentemente da gravidade das suspeitas jurídicas que pode ter sobre o mesmo, porque esses dois juízos não se "consomem" mutuamente. Ao fazê-lo o Presidente assumiu uma defesa política própria daquilo que considera ser o seu estatuto constitucional em vez de a delegar noutro órgão de soberania e noutra esfera (a jurídica).
Pelas mesmas razões discordo do Quimpé quando considera que o Presidente devia ter anunciado a fiscalização sucessiva no fim do seu discurso. Ao não o fazer o Presidente manteve a gravidade das suas palavras no domínio da sua interpretação política da constituição e "poupou" o Tribunal Constitucional a um eventual "condicionamento". Isso em nada diminui a importância que ele atribui à própria dimensão jurídica. Mas esta deve ser separada.
"É verdade que o PR interpreta a Constituição, e que pode ter querido afirmar em face de outro órgão político qual era a sua interpretação. Mas já agora, recordo ao Miguel que o Parlamento também intepreta a CRP. Ao deixar a coisa por aqui, o PR transformou isto num “conflito de interpretações”, entre a dele e a do Parlamento. O problema, claro, é que houve uma que prevaleceu, e não foi a dele.
Acho que um PR, no nosso sistema, não se deve colocar nesta posição. O papel do PR não é apenas o de ter uma interpretação da CRP - como o parlamento também tem - e ficamos assim. Ele tem poderes que mais ninguém tem - a preventiva - não só para afirmar a sua interpretação mas também para agir na base dela, solicitando o TC que decida sobre qual a interpretação que prevalece em última instância, procurando que seja a dele, claro. É isso que, na maioria dos casos (há algumas excepções que para aqui não interessam) os PR’s sempre fizeram: ao pedirem a preventiva, eles ao mesmo tempo afirmam uma interpretação da CRP diferente da do parlamento e procuram obter a necessária validação dessa interpretação. Não o fazer é nivelar por baixo a posição do PR no nosso sistema político, como a de um intérprete “entre outros” (ou até como um intérprete ao nível do parlamento, coisa que ele não é)."
O problema com esta posição é que, na prática, defende que os poderes do Presidente em matéria de apreciação da constitucionalidade se esgotam na possibilidade de solicitar a fiscalização preventiva da constitucionalidade. Porque razão deveria o Presidente limitar os seus poderes de interpretação e aplicação da Constituição ao poder de solicitar a fiscalização da constitucionalidade ao Tribunal Constitucional? A Constituição é susceptível de ser interpretada pelo Presidente da República independentemente da fiscalização preventiva da constitucionalidade. Isto não significa que o Presidente tenha a última palavra. No nosso sistema isso pertence ao Tribunal Constitucional. O Pedro tem razão quando diz que, nesse caso, a Assembleia da República também pode interpretar a Constituição o que transforma a questão num conflito de interpretações. Só que, entre outras razões, é precisamente para dirimir eventuais conflitos de interpretação da Constituição entre diferentes actores políticos que o Tribunal Constitucional tem, nessa matéria e quando a tal solicitado, a autoridade última para determinar os limites jurídicos da interpretação política da Constituição. Onde a minha divergência com o Pedro assume um carácter determinante para o caso presente é que, na minha opinião, isto em nada prejudica a possibilidade de o Presidente da República pretender impor (ou convencer) a Assembleia da República da sua interpretação da Constituição independentemente de um juízo jurídico a realizar pelo TC. No fundo, o Presidente procurou exercer o seu poder político para impor à Assembleia da República aquela que lhe parece ser a interpretação adequada da Constituição num domínio particularmente sensível para os seus poderes. A Assembleia da República não aceitou tal interpretação. Trata-se de um conflito relativo à separação de poderes constitucionalmente estabelecida mas que o Presidente assumiu como um conflito a dirimir preferencialmente no domínio político e, perante o qual, cada um de nós pode e deve, igualmente, fazer um juízo político. O facto de o Presidente ter perdido essa batalha política não invalida a decisão de a assumir, em primeiro lugar, como política e não jurídica.
Claro que, não tendo o Presidente sido bem sucedido no campo político e continuando a fazer um juízo jurídico de clara inconstitucionalidade face ao Estatuto ele terá de agir em consequência: juridificando o conflito ao solicitar ao Tribunal Constitucional a fiscalização sucessiva da constitucionalidade. E também neste aspecto discordo do Pedro quando entende que, se o fizer, "o PR está exposto à ideia de que a sucessiva foi um second thought, de que só mandou por ter sido criticado por não ter mandado em preventiva." Não vejo porquê. Só será assim se partirmos do principio, de novo, que o Presidente não pode fazer um juízo político sobre a constitucionalidade de uma norma independente de um pedido de fiscalização preventiva da constitucionalidade. Se aceitarmos a minha ideia de que a Constituição pode ser objecto de conflitos de interpretação com dimensão política e/ou jurídica e que os primeiros não se consumem nos segundos e podem ser autónomos destes o facto de o Presidente vir agora solicitar a fiscalização sucessiva da constitucionalidade em nada afecta o juízo político que fez sobre a mesma. O Presidente limitou-se a fazer uma interpretação dos seus poderes constitucionais que entendeu politicamente defender perante outro órgão de soberania, independentemente da gravidade das suspeitas jurídicas que pode ter sobre o mesmo, porque esses dois juízos não se "consomem" mutuamente. Ao fazê-lo o Presidente assumiu uma defesa política própria daquilo que considera ser o seu estatuto constitucional em vez de a delegar noutro órgão de soberania e noutra esfera (a jurídica).
Pelas mesmas razões discordo do Quimpé quando considera que o Presidente devia ter anunciado a fiscalização sucessiva no fim do seu discurso. Ao não o fazer o Presidente manteve a gravidade das suas palavras no domínio da sua interpretação política da constituição e "poupou" o Tribunal Constitucional a um eventual "condicionamento". Isso em nada diminui a importância que ele atribui à própria dimensão jurídica. Mas esta deve ser separada.
2 comentários:
Já agora vale a pena ler, igualmente, este post do Vital Moreira (penso que nem discordamos muito: trata-se mais de uma questão de qualificação do que é uma questão constitucional e/ou uma questão política). Leiam:
http://causa-nossa.blogspot.com/2009/01/veto-poltico.html
Na óptica do Presidente, a questão é não só jurídica mas acima de tudo política. Política porque contende com o equilíbrio e as relações entre os órgãos do poder político envolvidos. Ora, acima de tudo, a questão é constitucional, não só atenta o problema da (in)constitucionalidade propriamente dita mas também a arquitectura e o equilíbrio de competências desenhada na Constituição. E por mais político que possa ser o juízo do Presidente, a sua primeira e última função é defender a Constituição. Pelo que me parece que não deixa de ser uma grande incongruência, face ao entendimento que o Presidente tem da norma contestada (e da gravidade que lhe imputa, em si mesmo considerada e enquanto precedente), não suscitar a intervenção, a título preventivo, do Tribunal Constitucional. Assim evitaria, ou permitiria evitir caso o seu entendimento viesse a proceder, que tal "aberração" jurídico-constitucional entrasse, sequer, em vigor. Não o fazendo, e aceitando todas as premissas da sua argumentação, não deixou o mesmo de ser incoerente em face das funções inerentes ao cargo. Aqui reside, na minha modesta perspectiva, a simplicidade da questão...
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