domingo, 28 de dezembro de 2008

Se quiserem fiquem com isto...


(casamento de D. João I com D. Filipa de Lencastre)

Passeava hoje por Lisboa e mais uma vez reparei como as ruas estão sujas, esburacadas e perigosas; o trânsito desordenado; os espaços públicos abandonados; os edifícios privados desinvestidos; as lojas sem imaginação, sem vida e sem cor… e as pessoas, regra geral, tristes e deprimidas.
Ora, isto passa-se numa cidade que, sendo capital do nosso país, foi governada, nos últimos anos, por alguns dos nossos políticos mais destacados, nomeadamente por Jorge Sampaio, líder do PS, que depois foi presidente da República; por João Soares, importante membro do PS e filho de um influente líder desse partido que também foi presidente da República; por Pedro Santana Lopes, dirigente preponderante do PSD e logo a seguir primeiro-ministro; e por António Costa, número dois do PS e há bem pouco tempo ministro da administração interna.
Qual é a explicação para isto? Não sei. Seja como for, não me parece que a resposta seja do domínio propriamente racional da argumentação, mas antes – ou, pelo menos, primeiro – do domínio da motivação e da vontade. É aí que não nos encontramos, que não nos reconhecemos e que, consequentemente, não nos entendemos. Em rigor, porém, também não nos desentendemos. Parece, bem ao contrário, que desistimos. Cá vamos, cantando e rindo. Ou já nem isso: vamos andando!
Só isso explica que chegando à Rua de São Bernardo, a caminho da Igreja de Santa Isabel, depois de passar pelos inúmeros socalcos que circundam o Jardim da Estrela, depare com a apropriação, cada vez maior, de boa parte da rua pela Embaixada de Inglaterra. Desta vez não houve sequer ultimato. Quiseram a rua e tomaram-na. Os moradores, no caminho para as suas casas, que se desviem. O passeio, agora, é inglês, pelo que, ali, só passa quem os ingleses quiserem. Os moradores que atravessem a estrada, circundem a vedação, cumprimentem os polícias e voltem de novo a atravessar a rua, se quiserem entrar em suas casas.
Desta vez também não houve indignação. Colocámos prontamente dois polícias à porta, empunhando metralhadoras, mas foi para defenderem com denodo a embaixada – que é estrangeira e, por isso, é importante. É claro que a porta, agora, é um bocado mais à frente, devido à invasão de Inglaterra à Rua de São Bernardo, orquestrada, há quem o diga, desde Gibraltar, com o objectivo de vir a controlar a base das Lajes. Mas isso que importa? Tomem a rua, fiquem com ela. Invoque-se a aliança luso-britânica; invoquem-se Filipa de Lencastre e Catarina de Bragança… invoque-se seja o que for. A verdade é que nós não queremos aquilo para nada, por isso, façam o que bem entenderem.
Não vai agora dizer-se aos ingleses que, se precisam de mais e de melhor segurança, têm que comprar uma casa que permita assegurá-lo, no que, aliás, evidentemente colaboraremos. Não, isso seria uma maçada. Nem vai objectar-se-lhes que, se a nossa embaixada, em Londres, quisesse um tratamento idêntico, certamente não o teria. Mas, afinal, quem somos nós? Não! Fiquemos calados. Fiquemos quietos. E eles que fiquem com isto, em nome da antiga aliança.
Nós nem sequer nos importamos que os nossos filhos nasçam em Espanha, onde os hospitais são melhores e mais baratos. É claro que nenhum espanhol admitiria ao governo do seu país que o mandasse ter os seus filhos em Portugal, como nenhum morador de Londres permitiria o arrebatamento de parte da sua rua pela Embaixada de um outro país. Mas o facto é que eles gostam daquilo, vá-se lá saber porquê. Nós, ao contrário, não queremos saber disto para nada. Portanto, se os espanhóis quiserem, fiquem com isto; se não, vai para os ingleses. Basta-nos bem ter um presidente na Comissão Europeia, que muito nos honra com a sua posição e tanto bem de lá nos tem feito. Quanto ao resto, saúdinha, que é aquilo que é preciso.

3 comentários:

Redonda disse...

E que tal invertermos os papéis e passarmos a ser nós a fazer um Ultimato à Coroa de Sua Magestade? Quanto a Espanha, aquilo também não vai bem pois já nem têm caramelos.

Miguel Poiares Maduro disse...

Caro Gonçalo,

Em relação a Lisboa apetece-me parafrasear o título de um livro de um político italiano (com algusn anos): uma cidade normal. Ficaria satisfeito com uma cidade normal: limpa, onde as ruas e os passeios estivessem em condições, onde existissem pistas de bicicleta e cada bairro tenha o seu jardim e espaço verde para exercício. Como eu gostaria que Lisboa fosse simplesmente uma cidade normal!
Miguel

Anónimo disse...

...igual ao que se passa nas ruas junto à residência do dito embaixador. Mais irritante esta nossa, a dos portugueses, subserviência.