segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Eastwood e os 100 anos de Oliveira


Fui ver no sábado o último filme de Clint Eastwood (Changeling) que constitui mais uma obra prima. Penso que não existe hoje em dia um outro realizador tão consistente e perfeito na forma como dirige os seus filmes. Para além disso, ou Eastwood tem uma sorte incrível nos guiões que lhe calham ou consegue transformar qualquer guião num grande filme. A única diferença entre este filme e os mais recentes de Eastwood é que ele regressa a uma separação clara entre o bem o mal. Os filmes de Eastwood são quase todos filmes profundamente morais mas, enquanto na grande maioria dos seus filmes mais recentes (Unforgiven, Mystic River, Million Dollar Baby ou o "díptico" sobre a batalha de Iwo Jima) Eastwood se concentrou na ambiguidade moral e na dificuldade de identificar claramente onde está o bem e o mal, Changeling é um filme que não nos deixa dúvidas a esse respeito. É bem possível também que Angelina Jolie ganhe o Óscar com a sua interpretação (embora, pessoalmente, me pareça que falta um pouco de profundidade psicológica à sua personagem: é uma interpretação perfeita até na sua contenção mas penso que Angelina Jolie simplesmente não consegue exprimir a "geologia" psicológica de um personagem).
A razão porque vos escrevo sobre o filme é outra, no entanto: foi o primeiro filme de Eastwood que vi depois de saber da sua admiração por Manuel de Oliveira. Confesso que isso gerou em mim uma certa perplexidade inicial: eu sou um grande fan de Eastwood mas não de Oliveira. Digo isto com a consciência de que Manuel de Oliveira celebra 100 anos esta semana e que, em Portugal, estas comemorações costumam excluir qualquer referência crítica. Como não há o risco, no entanto, de ofender Oliveira (duvido que leia o nosso blog ou que se importe minimamente com o que penso) gostaria de ser sincero no que respeita ao seu cinema, em particular à luz da sua "relação" com o cinema de Eastwood.
Compreendo os filmes de Oliveira como uma expressão da sua tese sobre o cinema enquanto forma de literatura ou teatro filmados. Compreendo a tese e os seus filmes mas não concordo e não gosto (a diferença é o Aniki Bóbó que formalmente, no entanto, está bem mais próximo do neo-realismo; que pena Oliveira não ter seguido esta via, talvez por não ter realizado outro filme durante muitos anos). Sou capaz igualmente de apreciar certos planos e é aqui que vejo alguma influência em Eastwood (os travellings lentos e com os personagens fixos na câmara por exemplo). Só que, para mim, se Oliveira coincide com Eastwood na elegância formal de certos planos cinematográficos faltam-lhe três dimensões essenciais do cinema que Eastwood dominana perfeição e o transformam no meu realizador favorito: direcção de actores, montagem e ritmo narrativo (o que é diferente de um ritmo acelerado; os filmes de Eastwood por vezes são lentos mas com um ritmo narrativo perfeito). A consequência é que os filmes de Oliveira podem ser objectos muito interessantes mas, para mim, não são bom cinema.
Como este blog está cheio de cinéfilos mais especialistas que eu estou curioso de saber se partilham desta opinião. Discutir Manuel de Oliveira e caracterizar o que faz talvez seja uma forma interessante de celebrar os seus 100 anos. .

4 comentários:

Sofia Rocha disse...

Miguel, Manoel de Oliveira é tanto fonte de inspiração para Clint Eastwood,como o foram os mestres da exposição Picasso e os seus mestres para o pintor.
Ficamos sempre com a certeza de que mais importante do que estas aves comem, é aquilo que regurgitam, passe a imagem.
Quanto a Manoel de Oliveira, tem filmes, tem cenas, tem olhares. Estou de acordo numa coisa: filma a culpa, pilar da civilização judaico-cristã, como poucos. Mas os filmes dele parecem-me uma Quaresma sem Domingo de Páscoa.
Quanto a Eastwood,gosto muito, mas houve alguns filmes menos conseguidos.
Há um, muito bom, que o Miguel não referiu: Meia-noite no jardim do bem e do mal. (Adapatção de livro homónimo.) Assim mesmo, com todo o maniqueísmo americano.
Só carne, nada de provações.

Miguel Poiares Maduro disse...

Sofia,

Há vários outros muito bons do Eastwood que não referi. Um deles está entre os meus filmes favoritos em absoluto: Um Mundo Perfeito.
Gosto dessa definição do Oliveira: uma Quaresma sem domingo de pascoa!

Anónimo disse...

Miguel, acho que há poucos realizadores tão talentosos como Clint Eastwood e tão polivalentes menos ainda. Impressiona-me a capacidade de filmar o desespero individual no limite do melodrama sem esquecer o contexto social (alguém filmou tão bem o american white trash?) e também a composição da partitura de tantos dos filmes. A biografia também é fabulosa: gasolineiro, bombeiro, mayor de Carmel-by-the-sea, pianista de ragtime...um homem da Renascença! Quanto a Um mundo perfeito, é um filme assombroso. Já o revi algumas vezes e a serenidade daquela tragédia espanta-me sempre.

Anónimo disse...

Caro Miguel,
Não percebo nada de cinema, mas a comparação entre Clint e Oliveira parece-me suspeita, apesar de suscitada pela admiração daquele por este. Talvez, aliás, a admiração se deva ao oceano que separa o cinema de um e o cinema de outro, os temas, os públicos, os argumentos, etc., agora compará-los é um exercício em que o próprio Miguel acaba por só descobrir um ponto em comum...et encore...Para apreciar um filme do Manoel de Oliveira preciso de estar para aí virado, e nem sempre estou, e o mesmo digo de um livro da Agostina Bessa-Luís. Mas são marcadamente portugueses (apesar dos actores estrangeiros) de uma forma que não posso explicar neste pequeno comentário, fazem parte da nossa cultura de uma forma tão profunda, que eu diria (provocando) que pouco importa que se goste do cinema de Manoel de Oliveira, importa sim que ele continue a fazê-lo, se possível fosse por mais 100 anos.
Abraço