segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Democracia versus Socratocracia

Há um tempo atrás, relativamente a uma polémica havida neste blog (nomeadamente aqui e aqui), cujo tema de fundo era o condicionamento ou não condicionamento dos meios de comunicação social pelo actual Governo, resolvi nada dizer. Renovo agora a polémica, porém, fruto de alguma preocupação.
O facto é que desde o início desta legislatura temos vindo a habituar-nos a um novo modelo de relação entre o Governo da nação e os órgãos de comunicação social, segundo o qual parece que já ninguém estranha – e, consequentemente, ninguém leva a mal – que o senhor primeiro-ministro (que não é, obviamente, o único a fazê-lo) telefone para directores de órgãos de comunicação social, directores de informação e jornalistas, afirmando-se desagradado com determinadas notícias, manifestando-se furibundo por causa delas, gritando com os seus interlocutores e intimidando-os relativamente ao seu trabalho.
É lícito concluir, neste quadro, que tais actos – ligados a outros, mais estruturais, como a decisão relativa ao já famoso quinto canal e o apoio que o Governo sempre encontra nas Entidades Reguladoras por ele nomeadas – ajudem a explicar o facto da nossa comunicação social não investigar alguns casos relativos a membros deste Governo que, tendo sido notícia, rapidamente se esfumaram e absolutamente desapareceram, nem informar imparcial e objectivamente seja sobre a actuação do Governo, seja sobre a daqueles que lhe são contrários – sendo que não falo aqui apenas de partidos políticos.
Ora, a minha preocupação relativamente a este cada vez maior controlo e ingerência do Estado nos órgãos de comunicação social (cuja visibilidade é hoje apenas a sua total invisibilidade), tem a ver com o facto de que, se lhe juntarmos o controlo cada vez maior do Estado sobre a economia e os acrescentarmos ao endémico controlo do nosso Estado sobre a esmagadora maioria das associações de carácter civil, veremos como a nossa democracia, que o é ainda de um ponto de vista formal, tem neste momento um claro conteúdo totalitário.
É ou não verdade que cresce entre nós a percepção desta cultura totalitária latente na atitude dos membros do Governo, especialmente assumida no autoritarismo do senhor primeiro-ministro, na intransigência da senhora ministra da educação, na arrogância do senhor ministro dos assuntos parlamentares, na implacabilidade do senhor ministro da presidência e na impunidade do senhor ministro das obras públicas? Não vemos nós, dia após dia, essa cultura transvazar e incorporar-se em vários organismos da administração pública, de que os maiores exemplos permanecem a ASAE, os serviços das Finanças e a Direcção Regional de Educação do Norte? Não será estranha esta revolta de tantos sectores chave da nossa sociedade – dos professores, das forças de segurança, dos militares –, que nunca em Portugal se tinham manifestado com esta espontaneidade e com esta força, e mais estranha ainda pelo facto das suas reivindicações surgirem envoltas no eco de uma distante irrealidade?
A lista poderia continuar. Para já fica assim o desabafo. Muitos discordarão, estou certo. Fico à espera. Entretanto, será bom lembrar que, tendo-se finalmente publicado a lista dos credores do Estado, apenas 3 empresas aceitaram integrá-la. Será bom lembrar a percepção comum, sempre não investigada, de que há empresas que controlam cada vez mais e maior parte dos vários sectores da economia, sem que tal aconteça com a necessária e devida transparência. Será bom lembrar que o Estado nomeia hoje directa e indirectamente os membros dos Conselhos de Administração de 5 Bancos portugueses (BP, CGD, BCP, BPN e BPP), fruto de uma intervenção que começou muito antes da actual crise financeira internacional. Será bom lembrar que, por causa dessa crise financeira, a sobrevivência dos restantes Bancos depende hoje, em boa medida, do aval do Estado. Enfim… Será bom lembrar que a democracia nunca está feita, mas a fazer-se: por todos nós, se nos deixarem; só por alguns, se os deixarmos!

5 comentários:

Luis Melo disse...

Não é o único a aperceber-se de tais coisas... eu já tinha falado nisso. E outros como o Vasco Graça Moura também...

Anónimo disse...

A tese não tem ponta por onde se lhe pegue. Primeiro, telefonar a alguém não é ilegal, salvo melhor informação. Segundo, ao telefonar, o Primeiro-Ministro sujeita-se à publicação do seu acto, o que lhe confere transparência ou lhe custará um qualquer prejuízo (como é exemplo este texto). Terceiro, não sabemos o que foi dito, pelo que não é próprio da democracia e da justiça estar a fazer processos de intenções. E, por último, a imprensa nunca investigou ninguém à excepção do Independente, no cavaquismo, e do Público, contra Sócrates.

É espantosos como a oposição ao Governo é tão fraca, nada entendendo do que acontece em Portugal desde a traição de Barroso.

oscar carvalho disse...

Essa agora!...Basta ler o Público diáriamente para verificar exactamente o oposto daquilo que defende. Mas, se um dia a Drª Ferreira Leite for governo e conseguir fazer vingar a tese de que a comunicação social não a põe on-line em horário nobre, então sim teremos a genuína e verdadeira liberdade de imprensa.

Luis Melo disse...

Esquece-se de quem é o Público... talvez o único que pode "sair da linha socratiana"...

oscar carvalho disse...

Deixemos o Público; já viu as primeiras páginas do Primeiro de Janeiro?