Paris
Paris de Cédric Kaplisch é um filme sobre os parisienses. Não é um filme que nos traga as profundezas da alma dos parisienses ou mesmo de Paris, mas é uma expressão de Paris de hoje. Serão assim os franceses de Paris? E o que nos diz o filme que eles são?
Dois tópicos iniciais: a aparência e a alma. A ideia é a imaginação de um personagem, num estado consciente de morte eminente, sobre a vida dos outros, que espreita da sua janela. A Pierre, representado por Roman Duris, é-lhe diagnosticado um problema no coração que o levará à morte. Não se pode esforçar e vive num andar alto de onde não pode sair porque não se pode cansar e o elevador, indispensável, está regularmente avariado. A sua casa é a sua prisão, a sua doença o seu carrasco, a janela que se abre para a rua e para as janelas dos prédios em frente são uma perspectiva libertadora, a única que lhe resta para se manter em contacto com o mundo livre, daqueles que nem sabem a sorte que têm em não sentir a presença inibitória e imobilizante da morte. A sua imaginação elabora-se através do seu desejo de vida, projectado na vida dos outros, e a partir das aparências que lhe chegam pelo olhar exterior e invasivo dos seus movimentos e das suas rotinas. O filme dura entre o momento do diagnóstico e a viagem para o Hospital para uma intervenção que o pode salvar ou não.
Desta situação da personagem, deste sentimento de quem se separa do movimento e o observa na procura de uma omnisciência frustrada, se parte para uma deambulação por vidas de parisienses que se cruzam e afastam, se reconhecem e perdem. E que parisienses são esses? São personagens onde se abre um conflito entre a aparência onde se desenrola a vida social — onde cada um actua como se respeitasse um contrato que não permitisse a invasão da privacidade e assim deixasse a cada um a definição da sua imagem exterior — e uma intensa vida secreta, povoada de desejos e fantasias, memórias, inibições, frustrações, presunções — onde imagens interiores conduzem tramas e estratégias de sedução e de reconhecimento mútuo.
O próprio multiculturalismo afrancesado é disso expressão. As personagens têm múltiplas origens mas em Paris vivem sob as regras de Paris. Como os produtos que chegam aos grandes armazéns. Vêm de todos os cantos do mundo, mas quando são apresentados, seja nas montras das lojas, seja nos mercados de rua, eles já são parisienses. Têm já uma aparência que os afasta das suas origens para se apresentarem no banquete de todos os sortilégios e de todas as encenações. Em Paris tudo ganha uma nova alma, uma nova identidade, uma nova vida.
O filme fala-nos das rotinas dos parisienses. Há um constante reencontro, um regresso aos lugares anteriores, ou de sempre. Mas há, também, a imigração que Paris atraí e à qual dá…Paris: uma nova esperança, um novo cânone, uma nova vida e uma nova oportunidade. Paris gosta dessa atracção mútua dos diferentes e é um palco de partilhas. Mas sempre por detrás de uma fachada que pode recusar qualquer avanço, qualquer atrevimento, qualquer ousadia, que seduz através de um mensagem de telemóvel, de meias palavras e de olhares num mercado e em que cada um arrisca e se entrega sem perder a sua individualidade e a sua autonomia. Paris não é piegas, não é sentimentalista, mas é cheia de sentimentos latentes e à espera de um desenlace.
Os grandes planos mostram essa cidade que alberga, acomoda, isola e protege, que vive 24 horas entre as entranhas da noite e as manhãs e as tardes dos dias claros. Os grandes planos mostram o corpo de uma cidade onde o corpo de cada um se dilui e se espraia, que cada um contempla e em que se contempla.
É assim Paris, pelo menos segundo Kaplisch.
1 comentários:
JL, fiquei com vontade de ver! Agradeço-lhe isso.
Enviar um comentário