domingo, 16 de novembro de 2008

Algo de profundamente estranho anda à solta no mundo da educação…


Ao longo dos últimos tempos, a agitação que envolve o mundo da educação tem-me levado a ler, a discutir e a pensar.

Mas, com esse pretexto, no meio de uma informação ciclópica, divulgada por uma dinâmica nova e eficaz (vd, por exemplo, os blogs de Paulo Guinote e Ramiro Marques), vou descobrindo um país fértil em motivos de inquietação.

Há sinais maiores e menores, do âmago das grandes reformas à cor das pequenas histórias concretas. Mas o tom geral assusta. O império do eduquês, a formalização dos discursos e das práticas, a burocratização dos métodos. Uma meta-linguagem aplicada a uma meta-realidade. Longe, longíssimo de qualquer preocupação genuína com o acto de ensinar. Longe, longíssimo de uma efectiva atenção à necessidade de aprender.

Vem esta desencantada conclusão a propósito de algo insólito. Ainda no quadro deste folhetim da avaliação de desempenho dos professores, algo que bem poderia passar despercebido, não fosse tão grave o que revela…

Ao que parece (ver aqui), em certa escola do distrito de Lisboa, com o aval científico-procedimental do Ministério da Educação, os professores-avaliadores têm de sujeitar-se a uma determinada acção de formação para poderem proceder à tarefa de avaliar os colegas. Chama-se a dita acção de formação: “As dinâmicas organizacionais da escola e o modelo de Avaliação do Desempenho”. Nesse âmbito, devem os ditos professores-avaliadores responder – usando a alternativa V(erdadeiro) ou F(also) – a um questionário intitulado “À descoberta do meu estilo de liderança!”. No final, espera-se que os mesmos professores-avaliadores analisem as respostas e descubram qual o seu perfil de líder…

Só que o ponto não é exactamente a perda de tempo. Ou o puro e simples ridículo da situação. É pior. E pior porque, no universo de perguntas feitas, algumas – demasiadas – indiciam uma matriz política realmente perigosa.

Ou não é angustiante saber-se que, numa acção de formação para a avaliação de colegas, os professores-avaliadores têm de concordar ou discordar (com absoluta honestidade, como recomendam as instruções) de afirmações como estas?!:

- Penso que o respeito pela autoridade é um dos pilares de um bom carácter.

- A ideia de uma relação exclusiva com uma pessoa, durante toda a vida, não me parece desejável nem realista.

- Um relacionamento para toda a vida com um companheiro romântico é um dos meus objectivos.

- Acredito firmemente que o divórcio se deve tentar evitar sempre que possível.

- No que diz respeito a gastar e economizar dinheiro, orgulho-me de ser mais poupado e menos irracional que a maioria das pessoas.

- Passo muito menos tempo que outras pessoas naquilo que considero passatempos sem sentido, como sejam ver televisão ou ir ao cinema, ler romances ou jogar jogos de cartas, computador ou de tabuleiro (damas, xadrez, etc.).

- Procrastino muito.

- Fico frustrado por a visão do mundo da maioria das pessoas ser tão limitada.

- Fico frustrado por a maioria das pessoas não estarem no meu “comprimento de onda”.

- Gosto de me dar com pessoas influentes e não me sinto intimidado por elas.

- Não tenho muito tempo ou paciência para longas reuniões familiares, tais como uma tarde inteira passada a celebrar o aniversário de alguém.

- Nunca me vestiria de uma maneira vistosa, boémia ou que chamasse a atenção de qualquer outra forma.

Ao leitor atónito, só lhe peço que releia. E que conclua.

7 comentários:

Carlos Pires disse...

O "eduquês" (as ideias e a linguagem das ditas "Ciências" da Educação) é algo tão vago, obscuro e irracional que acaba por enquadrar até parvoíces como esse questionário.

Já assisti a acções de formação em que se pedia aos professores (supostamente para se conhecerem melhor, para afastarem inibições, etc.) para fazerem jogos: o jogo da cadeira, andarem de um lado para o outro na sala fingindo uma certa emoção até os outros adivinharem qual era, etc. Também já ouvi falar de acções de formação em que os formadores falavam de energias positivas e negativas, da força da terra, etc.

Tudo isso em vez de falar daquilo que importa (e que os especialistas em "eduquês" menosprezam): matemática, física, filosofia, história, etc.

O mais esquisito nisto tudo é que a existência de avaliação dos professores devia permitir racionalizar um pouco esse "estranho mundo da educação".

E no princípio talvez fosse isso que a conversa reformista da Ministra prometia. Mas esta depois rendeu-se aos secretários de estado e aos supostos especialistas do ME, todos com a cabeça cheia de "eduquês", e o resultado está à vista...

A verdade é que uma avaliação como deve ser só pode ser feita contra o "eduquês". Esta, pelo contrário, apoia-se no "eduquês".

aviador disse...

As fontes que a vice-presidente do PSD vai buscar.

Absolutamente notáveis!

Francamente, Sra Doutoura.

S.m.o.

Já agora, o que propõe V.Excia?

Sofia Rocha disse...

Portugal encara os sectores público e privado de forma maniqueísta.
É como se tivesse dois filhos. De um diz muito bem, do outro diz muito mal.
Do filho de que diz muito bem, diz que é um exemplo de trabalho, de carácter e de moral.
Do outro, de que diz muito mal, diz que é pesado, lento e perdulário.
Ao tratar assim os filhos,comete grave erro:
o primeiro é de julgamento,nem um é tão bom como quer fazer crer, nem o outro é tão mau como diz.
Depois, ao insistir nesse tratamento só vai conseguir que o bom não melhore porque acha que já não é preciso e que o menos bom ache que nem é preciso esforçar-se porque nunca vai ser considerado.
Em terceiro lugar, ao tratar assim os dois filhos apenas conseguiu que há muito que tenham voltado as costas, não falem um com o outro e se hostilizem.
Lamentei sempre nos anos que passei na administração que as pessoas que lá trabalhavam não tivessem já trabalhado nas empresas privadas para sentirem as abissais diferenças de tratamento, de exigência, de avaliação, em geral má, que existem nas empresas privadas.
E lamentei sempre que houvesse nas multinacionais uma cultura de total desrespeito pelo trabalhador, de violação das mais elementares regras de direito, como o horário de trabalho largamente ultrapassado ou a ameaça permanente do despedimento.
O país não melhora nem evolui enquanto não juntar os dois filhos à mesa.
Se um só gosta de peixe com batatas e o outro só gosta de carne e arroz, a solução não será dar a cada um o que gosta ao almoço e ao jantar. Ao invés, que se faça como Salomão: ao almoço comem os dois carne e ao jantar comem os dois o peixe.
O gosto também se educa.

Anónimo disse...

Oh senhor aviador diga lá então quais são as suas fontes preferidas e se obedecem a algum cardápio pré estabelecido? O blog do Paulo Guinote onde acabo de ver esta informação é sério e credível e tem contribuido para uma maior transparência e denúncia da teia que está a ser montada para destruir a escola pública e a credibilidade dos professores. Se calhar o sr aviador prefere fontes "venerandas e obrigadas".
Inês Pecquet

Madalena Lello disse...

Felizmente Portugal também teve visionários, que em momentos chave, souberam inovar e reformar o nosso sistema educativo e investiram à séria na nossa massa cinzenta.
Abolida a monarquia o governo republicano não perdeu tempo em reformar o “anquilosado e caduco” sistema educativo. Se no velho e decadente Instituto Industrial e Comercial de Lisboa, eram formados engenheiros e economistas, das escolas militares saiam os engenheiros civis e de minas. Ciente das mudanças necessárias, Alfredo Bensaúde, em 1892, elabora um Projecto de Reforma do Ensino Tecnológico. Ignorado pelo monárquicos é a grande aposta de mudança dos republicanos, que lhe dão a oportunidade de pôr à prova as suas ideias inovadoras para a pedagogia e formação tecnológica em Portugal. Tudo se criou de raiz, e em 1911, uma nova escola técnica de grau superior integrava os vários tipos de engenharia – estava criado o Instituto Superior Técnico. Para Bensaúde “a primeira das condições para que uma escola seja boa é possuir um professorado o mais sábio possível”, o que exigia novas formas de recrutamento, e não hesitou em procurar os melhores “no país e se necessário no estrangeiro”. Bensaúde, ao contrário do governo actual, interessava-se em cultivar nos alunos a “persistência no trabalho e a faculdade de assimilação”, o seu principal inimigo “o nosso culto inconsciente pelo verbalismo”. O ensino prático e laboratorial era imprescindível: “os alunos deveriam ser treinados na prática oficinal e recuperar fundos vendendo ao exterior os artigos fabricados por eles”, estimular a independência do indivíduo à custa do próprio esforço e valorizar a competência profissional, tornou o I.S.T, na escola de prestigio que ainda hoje é. Bensaúde foi visionário ao integrar as engenharias numa só escola, ao exigir o ensino de qualidade e ao incutir nos alunos o sentimento de curiosidade. Noutro período conturbado, que se seguiu à Revolução do 25 de Abril de 1974, Alfredo de Sousa, foi outro grande visionário. Fugindo à explosão dos ideais do pós-25 de Abril, promoveu a criação da Faculdade de Economia, que logo congregou à sua volta um conjunto significativo de recém-doutorados em Economia, criando a “massa crítica” suficiente para desencadear um processo de profunda renovação do ensino da Economia e Gestão em Portugal. Com Alfredo de Sousa, os programas de Doutoramento e Mestrado em Economia e do MBA foram pioneiros em Portugal.
O vergonhoso facilitismo dos exames de matemática do último ano lectivo - para o governo o que interessa é poder dizer que foi o ano, num historial de dez, com o mais baixo número de chumbos a esta disciplina – surpreende não só pela desonestidade, como pela falta de visão. Será que o governo não entende que ao facilitar, em lugar de exigir, não prepara os jovens para os novos desafios e mudanças do mundo actual?
O capital não se movimenta pelo mundo apenas em busca de mão-de-obra barata e os empregos estão a ir para o lugar onde está a força laboral mais qualificada. Onde surgir a inovação estarão os melhores empregos, que irão por sua vez despoletar mais empregos e melhor nível de vida e não é preparando os alunos para o facilitismo que Portugal, país sem recursos naturais, vai conseguir competir num mundo que se globalizou. A recente descoberta de dispositivos - como o vidro ou uma simples folha de papel de acetato - possibilitarem a produção de ecrãs transparentes, pela equipe de investigadores da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova, coordenada por Elvira Fortunato, com quem a Samsung já assinou um contrato de parceria, é prova disso. Conseguir formar pessoas nas indústrias do futuro é sem dúvida a nossa grande mais valia, e o governo em lugar de ludibriar deveria investir na nossa massa cinzenta.
Agora vivemos um outro momento chave, e é imperativo que se regresse ao trabalho.

Anónimo disse...

Este comentário aqui por cima da Madalena Lello dos visionários pedagogos ( - sem excluir, presume-se, claro, o A. Costa professor catedrático de Coimbra que, inspirado talvez pelos ilustres e mui sábios pedagogos franceses da guilhotina ao que parece e certamente muito instruída e educadamente, gostava de, entre outros, "rachar-sindicalistas"...) da Ia Républica versus os atrasadinhos e semi-analfabetos da Monarquia, faz-me pensar (sem ser ou deixar de ser monárquico, primo-republicano é que não sou seguramente...) e ir directamente à raiz desta questão da educação: porque o problema é não ver-se esta questão como um todo, e vê-la só como uma questão de instrução, mensurada por mais ou menos diplomas que não valem (quase)nada e para estatísticas de fachada.

O problema é não se encarar a Educação como um todo e não ver que mais importante do que a instrução (e mais importante do que a esta mentalidade dos "diplomas" , deveria ser a certificação "no terreno" da validade e operacionalidade dos conhecimentos transmitidos ) é a parte da Educação que tem a ver com o "chá" e com os Valores, ensinar às crinaças e não roubar, a não ofender próximo, a serem honestas...Assim sim, se garante verdadeiramente o futuro de um país de que ter(ia)á futuramente governantes e quadros honestos, o resto virá por acréscimo!

Com os ms. cpts.,
assinatura legível, no comentário seguinte

Anónimo disse...

Foi meu o comment acima, era para escrever isto já como comentador registado neste Blg, mas peço desculpa ainda não arranjei uma conta no Google para o poder fazer...

Com os melhores cpts.,
Carlos C. Inez