quarta-feira, 27 de agosto de 2008

A lenda do minotauro (II)



Há várias lições a retirar deste mito encantador. Em primeiro lugar, porém, esta: Teseu queria saber quem era. Nada era tão importante. Quando pensava em ir ter com o seu pai e dizer-lhe que era seu filho, Teseu ia à procura de si mesmo: ia perguntar ao pai quem era!
O problema da identidade, de facto, apesar de só ter sido expressamente colocado, de um ponto de vista filosófico, em 1690, por John Locke (An Essay concerning Human Understanding), surge central no pensamento grego. Porque se é verdade, como disse Parménides, que «o ser é e não pode não ser...», não é menos verdade, como disse Heraclito, que «os confins da tua alma nunca os encontrarás, mesmo que percorras todo o caminho.» Fica por saber, portanto, o que é “isto” que estranhamente persiste entre o uno e o múltiplo e que absolutamente resiste à uniformidade e à mudança.
Ora, a questão já aqui é colocada em toda a sua extensão, que vai do reconhecimento exterior – material e jurídico – de si mesmo (Teseu é primeiramente identificado pelas suas características físicas e pelos seus laços de parentesco), até ao encontro interior – moral e pessoal – de si próprio (Teseu vai-se progressivamente identificando pela consciência que os outros, primeiro, e ele próprio, depois, vão tendo das suas acções).
É muito estranho, de facto, sermos, sabermos que somos, e não sabermos quem somos, ou o que somos. É essa a grande jornada para a qual Ethra preparava o seu filho. Mas como é que nos procuramos a nós mesmos? Tal como Teseu: calçando as sandálias de nossos pais e empunhando as suas armas: fazendo obra! Porque nos conhecemos ao mesmo tempo que nos revelamos, ao mesmo tempo que nos fazemos. É desta encruzilhada, própria do ser humano, que repetidamente falam os gregos.
Ethra, por isso, chorava, ao ver o seu filho partir: porque não há garantias; porque nos podemos perder. Todos temos, dentro de nós, Egeu e Minos: e ambos querem governar. Essa escolha, porém, é interior. O olhar dos outros não me diz quem sou. Ao contrário, tenho que ser para poder olhá-los. Nessas idas e vindas entre o fundo da caverna e a luz do sol, de que falará Platão, preciso dos outros para ser e preciso de ser para os outros. Na outra margem, portanto, do outro lado, tem que estar Ariadne (que me olhou por eu ter coragem e cujo olhar me encorajou), segurando o frágil fio de seda – a palavra, o discurso, a razão (em grego: lógos) –, com o qual me comunico a mim e aos outros na estranheza deste meu caminho.
Nascemos. Somos preparados por nossa mãe (a natureza) para a grande jornada que há-de vir: descobrirmo-nos! Quando é chegada a hora vamos à procura de nós mesmos. Onde? Em todo o lado e ardentemente, como é próprio da juventude. Calçamos as sandálias de nosso pai e empunhamos a sua espada (cultura e civilização humanas) e, onde ele parou, continuamos. Mas não há garantias. Longo é o caminho até Atenas.
Seguimos, obstinados, até à nossa meta: olhar nos olhos de nosso pai! Então ele nos dirá quem somos. Quando lá chegamos, porém, ele olha-nos nos olhos e não nos reconhece. Mas se não nos perdemos no caminho, se nos provámos justos e corajosos, trazemos ainda a sua marca intacta em nós. Vendo-a, ele convidar-nos-á a governar junto de si. Mas a lição deve ser aprendida: o seu reino não é o nosso. Temos de descobrir-nos.
Na verdade, podemos acomodar-nos e sentar-nos ao lado de nosso pai, gozando os confortos do seu reino e as delícias do seu amor. Mas então não seremos livres. Ser príncipe não é ser filho de um rei: é tomar livremente sobre si as obrigações dos seus súbditos! É escolher, em cada dia, ir ao encontro de nós próprios e construir verdadeiramente o nosso reino.
Para sermos verdadeiramente nós próprios temos de enfrentar livremente essa batalha original. Depois de nos termos procurado em todo o lado, sem, contudo, nos reconhecermos ainda, falta olhar dentro de nós. Aí veremos, meio escondidos, Egeu e Minos... ambos querendo governar. Esse horrível monstro, metade homem e metade toiro, prendendo-nos à ferocidade do desejo que tudo quer para si mesmo, quer-nos esconder e subjugar. Temos, porém, de matá-lo, se queremos ser livres: se queremos ser nós!
Essa morte, no entanto, é dolorosa. Na nossa carne morre o monstro e, nele, parte de nós! E só um frágil fio de seda nos liga ainda aos olhos de um outro, aos quais nos mostramos cada vez mais, nos quais nos vemos cada vez melhor. O olhar que nos reconhece, porém, é agora nosso. Não é já o dos nossos pais. Esses têm de morrer (como acontece ao rei Egeu quando Teseu regressa a Atenas), para que a natureza e a cultura sejam, em nós, uma vez mais, reinventadas (é esta, bem entendido, a história de Édipo, que no próximo post, assim o espero, havemos de ver).

2 comentários:

L. Santos disse...

Deves estar a brincar, não é verdade'
Sabes que se te masturbares com a mão esquerda, se fores canhoto, a irmã da canhota é atua melhor amiga? será que temos que aturar esta porcaria de transcrições; para que querem essa piolheira?
Cada vez estou mais desiludido convosco. Mais parecem ganapos dos anos noventa!!!!!!!!... Manda-me há merda que eu fico satisfeito!
Não abusem, ok?

Anónimo disse...

ò tótó eu sei que tu nâo és canhoto mas se masturbares os outros és quê? ambidestro?