quarta-feira, 2 de julho de 2008

A menina dança?

A menina dança?
Cyd Charisse dançou sempre e sempre que podia dançava. Dançou com maçãs e dançou com laranjas, que é como quem diz, com Gene Kelly e Fred Astaire. Dançou com eles nalguns filmes de porcelana que Hollywood fez em dias de inspiração e glória: Singin’ in the Rain, Bandwagon, Brigadoon, Silk Sotckings. Astaire e Kelly, os seus pares, tão bons os dois, tão geniais e incomparáveis, disse ela.
O marido, o segundo – durante 60 anos marido, até que a morte os separou – é que os dintinguia bem: se ela trazia nódoas negras nas pernas, era com o atlético Kelly que tinha dançado; se a pele vinha macia como meias de seda, o par tinha sido Astaire, o nefelibata. Pernas, pernas. Não as de Kelly ou Astaire: as de Cyd! Altas, longas, compridas. À chuva ou com bom tempo.

Cyd Charisse morreu há duas semanas. Levaram-na. A Senhora de Branco, a Ceifeira, quem seja. Os extra-terrestres, quem sabe. Foi a inescapável coda de um amabilíssimo pas de deux. Teve, antes, tantos adagios, tantas variações. Mas desiludam-se se esperam de mim um epitáfio, tardio ainda por cima. Gosto dela, gosto das pernas (já disse e volto a dizer), gosto da elegância com que quase não se move, saia branca plissada, a atrair Astaire para a escuridão do parque. E mais não digo, nem danço.

Se alguma coisa quero celebrar é um género, o musical, os filmes musicais. Tenho uma teoria. A única que tenho. Escassa, mas sincera. Os filmes musicais que Hollywood fez no século XX, na feroz década de 40, na inocente candura dos anos 50, deviam ser enviados para o Espaço. Em todos os formatos existentes e mesmo naqueles que ainda estão para ser inventados. Talvez alguma civilização superior, e superiormente extra-terrestre, os encontrasse e, vendo-os, olhasse para a humanidade que somos com a atómica partícula de misericórdia e simpatia que nos redimisse e nos aquecesse o coração.

Nada se compara à galanteria dos musicais de Hollywood. Até o mais desatento dos aliens se comoveria com o romance e a sedução destes filmes em que homens cantam e mulheres dançam. Ou vice-versa.

Assim esse humilde alien os visse e, dissesse-lhe a palavra prazer alguma coisa, descobriria que, quando cantamos, quando dançamos, somos gentis, amáveis, escapistas, optimistas e infinitamente generosos. Em que galáxia andará, hoje, esse “happy-self” com que Hollywood povoou um dia as nossas noites na esperança de que fossem melhores os nossos dias?


Escrito para o Pnet Homem. Fica também aqui

2 comentários:

Sofia Rocha disse...

" - A menina dança, tem par, ou descansa?" Era assim que se abordavam as moças nos bailes, não era?

Manuel S. Fonseca disse...

À conta do "a menina dança?" foram incontáveis as "tampas" amargas e adolescentes que levei. Mas garanto que me saíu 3 vezes a sorte grande, sem par nem descanso, slow dancing.