Le sac de Rome, 1527, André Chastel, Gallimard, 1984
“O dia que mudou o mundo”. Frase que cai bem como rótulo jornalístico. Mas convenhamos: se o rótulo jornalístico for critério de vida esta escora-se no escândalo, na síntese apressada, no slogan. O que tem limitação de espaço para a expressão pode ser útil como aviso. Mas não é nos sinais de trânsito que procuro o estalão da existência.
Diz-se tal coisa do assalto às Torres Gémeas em Nova Iorque, quando a queda do Muro de Berlim é incomparavelmente mais significativo. Cinquenta anos de risco de destruição do mundo em guerra nuclear foram simbolizados por essa queda. A divisão artificial do único continente que é também uma cultura, tendo conseguido o que séculos de dificuldades de comunicação nunca conseguiram. As Torres Gémeas são mais uma consequência que uma causa. A consequência de uma ilusão infantil, a de que o capitalismo tinha vencido e não se fala mais nisso. E menos um símbolo que uma notícia.
É evidente que o mundo não muda num só dia. Mas é igualmente evidente que há símbolos que têm mais impacto que outros. Nem que seja na perspectiva da História das representações, da mentalidade, há efectivamente dias que mudam o mundo. Quando Roma cai em 476, quando Constantinopla cai em 1453 quando Dimitri Donskoi vence os turcófonos da Ásia Central, Bouvines, a decapitação do rei Carlos na Inglaterra do séc. XVII, a do rei francês no século XVIII... a lista pode ser muito estendida.
É importante não cairmos em dois extremos. Nem o de idolatrar a importância desses eventos, nem de lha negar.
1527 faz parte desse eventos. Roma é tomada de assalto. Por protestantes e católicos. Soldados alemães do exército de um imperador católico (Carlos V), chefiados por capitães católicos e protestantes, assaltam Roma e saqueiam-na. Traço importante a reter: na Europa dita das guerras de religião, católicos e protestantes estão unidos politicamente contra Roma. O império germânico, católico e protestante, não se dissolveu de vez. E desde sempre católicos e protestantes foram aliados.
Mas mais importante que isso, o saque de Roma leva a uma mudança de estado de espírito, a criação de novos estilos, a revoluções das formas de expressão que são profundas e significativas. A queda das Torres Gémeas não anunciou novos movimentos literários nem artísticos. Apenas a novas ênfases jornalísticas. Não há Ticianos a celebrarem-na. Não há poetas do Siglo de Oro a cantarem-na. Nem pensadores da estrutura de um Melanchton (protestante) ou Erasmo (católico) para lamentarem as destruição do seu património. Não há, como no saque de Roma, alguns dos mesmos soldados que o efectivaram a penitenciarem-se em massa por o terem feito.
Roma tem um peso como símbolo que nenhuma torre isolada ou geminada consegue ter. Ou então, salvo se a hipótese for comutativa, à genialidade de uma época contrapõe-se a mediocridade de outra.
“O dia que mudou o mundo”, dizem das Torres Gémeas de Nova Iorque. Lembro-me sempre da frase de Talleyrand: tudo o que é exagerado é insignificante. Esperemos nós que não seja só o que a época diz que o seja, e não que o seja a época. Embora tenha algumas dúvidas que uma e outra coisa se possam diferenciar.
http://www.amazon.ca/sac-Rome-1527-Andr%C3%A9-Chastel/dp/2070232484
Alexandre Brandão da Veiga
5 comentários:
Boa tarde!
Antes demais parabéns pelo site!
Convido-o agora a ver a agenda semanal d'A Mesa Redonda:
Segunda-Feira: Análise exaustiva à época do Benfica, bem como análise individual a cada um dos jogadores, bem como a sua permanência.
Terça-Feira: Análise à nova equipa técnica do Benfica e pequena visão sobre a nova época.
Quarta-Feira: Análise e comentário à decisão da Uefa sobre a participação ou não do FC Porto na Liga dos Campeões.
Quinta-Feira: Apresentação da cobertura do Euro 2008 pel'A Mesa Redonda.
Sexta-Feira: Fecho da sondagem sobre o onze inicial de Portugal, minha análise e comentários à mesma.
Visitem:
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E toda a actualidade desportiva também em:
http://aguia-de-ouro.blogspot.com/
Alexandre,
menos futebolisticamente falando, e não pondo em questão a importância da tomada de Roma por Carlos V, parece-me ele não mudou muito o Mundo: o império de Carlos V estilhaçou-se com ele.
Mais determinante na história da Europa parece-me ter sido 1453, a tomada de Constantinopla pelos turcos, que marcou de facto o fim do mundo bizantino. O que achas?
Alexandre e Jorge
Entro no concurso para propôr, entre um e outro, o ano de 1492, onde 3 acontecimentos coincidiram no espaço e no tempo, formando uma encruzilhada que ainda hoje muito nos diz (ainda que de forma pouco consciente): primeiro, a conquista de Granada e, consequentemente, a unificação da Espanha (exceptuando, na altura, Portugal) sob o trono de Castela. A este novo império (ibérico, isto é, icluindo Portugal) dois caminhos, então, se abriram: um, o da imposição violenta e universal de um eu determinado ao outro, simbolizada pela expulsão dos judeus de Espanha, nesse mesmo ano decretada (decreto de Alhambra); outro, o da descoberta do outro, radicalmente novo, misterioso, com o qual um nós comprometido deverá formar-se, simbolizado pela chegada de Cristóvão Colombo à América, também nesse ano sobrevinda.
É, para nós, uma encruzilhada, na qual ainda nos encontramos - apenas, porém, quando nos encontramos!
Um abraço
Um belíssimo texto, cuja ideia subscrevo; mais por intuição, por educação, do que por erudição.
Deixo aqui referência a uma obra interessante de
José Manuel Garcia : "Pedro Álvares Cabral e a primeira viagem aos quatro cantos do mundo".
Da Introdução: "A grande relevância da viagem de 1500-1501 tem também o significado particularmente interessante que consiste no facto de os homens comandados por Pedro Álvares Cabral terem sido os primeiros a proceder a uma viagem que uniu os quatro grandes continentes da Terra, pois tendo partido da Europa e chegado à Ásia, eles apoiaram-se durante a realização da sua navegação na América do Sul e na África, antes de regressarem ao continente de onde haviam partido.
A ligação de todas essas áreas permitiu ao Homem alcançar uma consciência da dimensão da Terra, que anteriormente não existia."
João Wemans
No mesmo plano se podem colocar os saques das invasões islâmicas em todo o Norte de África e Sula da Europa.
Ao contrário do Cristianismo, o Islão nasceu e expandiu-se sob o fio da espada, desde os simples assaltos às caravanas que atravessavam a Arábia até ao cerco de Viena no séc XVII que levou à retirada da invasão islâmica da Europa.
As Torres Gémeas são um marco importante.
Se até agora não tiveram consequências catastróficas, deve-sa à acção militar/política/inteligência do Ocidente.
Se não há trovadores sobre o 11/9/2001 é porque o Islão não é muito dado às letras.
Mas, não haja ilusões, o Islão quer expandir-se e conquistar o Mundo para a "sharia".
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