quarta-feira, 4 de junho de 2008

Almedina Excelentíssima

Conheci a livraria Almedina em 1990 quando fui para Coimbra estudar. Estava perto do arco, que de resto, lhe deu o nome. Descíamos da faculdade pelo quebra-costas até ao dito arco já quase na Rua Ferreira Borges, com o nome dos livros escritos num pedaço de papel. A livraria era, em rigor, um depósito de livros, tinha um balcão de madeira tosco, atrás do qual evoluía o Sr. Figueira. O Sr. Figueira tratava-nos com o absoluto desdém que os estudantes mereciam. Era grande, escuro e de sobrolho franzido. Não destoava muito dos merceeiros que aviavam os fregueses - era assim que dizia o meu avô. Os livros eram encomendados e numa segunda ou terceira visita comprados.
Nos anos seguintes vi abrir livrarias almedina, verdadeiras livrarias, espaços pensados para juristas, estudantes, leigos, com mesas e cafetaria e espaços para conferências. Lembro-me sobretudo de ter ficado muito feliz quando abriu a livraria do Funchal, arrepiando distâncias e poupando-me a mala nas deslocações ao continente.
Na semana passada entrei na livraria do Saldanha e apesar de ter visto as novidades jurídicas, optei por virar à direita para ver os livros livros. Porque queria ler o Lavagante de Cardoso Pires, trouxe também o Dinossauro Excelentíssimo e ainda um da Agustina sobre Camilo. Pagava três, trazia quatro livros, parecia-me um excelente negócio.
Atrás do balcão, alto, estilizado, preto, militavam umas raparigas com o toque distintivo do Bloco de Esquerda, que é assim um ar um pouchinho de transgressão e modernidade citadina caseira, que se percebe pelo corte revolucionário da franja, bem como pela assumpção do uso de óculos, e ainda pela rejeição total do uso do dourado na indumentária.
Pergunto, porque é que este livro da Agustina é de uma editora diferente dos outros todos que tenho em casa? O olhar parado, martelado o computador, a resposta seca, é o que temos. Parecia que eu lhes estava a falar chinês, a pedir a Quinta Essência, da mesma autora.
Sorri e tive muitas saudades do Sr. Figueira que do alto da sua sabedoria me teria dito, com mau modo, que o livro era assim por isto e por aquilo, etc. e tal, deixando no ar uma certa reprovação por tanta ignorância.
À noite ri-me com verdadeiro gosto quando reli o Dinossauro Excelentíssimo e a descrição da cidade dos doutores -e a cujos candidatos se lhes rapava o cabelo.
Voltarei à livraria. Prometo não mais fazer perguntas. A franja não corto. Quanto aos dourados ainda se vai ver.

2 comentários:

Manuel S. Fonseca disse...

As "memórias" são como as cerejas, não é? Lembrei-me da livraria Goya, na Avenida dos Combatentes em Luanda. O livreiro era espanhol e a primeira vez que lá entrei, para comprar o "A Leste do Paraíso", tendo ele entendido que me faltava peso, altura e maturidade para o Steinbeck, fez-me sair com o rabo entre as pernas e dois livros debaixo do braço, um do Cornelius Ryan sobre o desembarque aliado no dia D e outro do Maugham, o fabuloso "O Fio da Navalha". Na semana seguinte, esperei horas numa esquina, camuflado, e quando ele abandonou o posto (alguma venerável aventura?) ataquei, feito serpente, a prateleira certa e o fruto proibido. Enfim, julgo saber o que Adão terá sentido quando foi posto à porta do Paraíso.

Pitucha disse...

Eete post lembrou-me a velha "Barata" na Av. de Roma, com o simpático e eficiente Sr. Afonso que sabia tudo. Tudo! Hoje, quando vou à nova Barata, não sabem nada...