quinta-feira, 29 de maio de 2008

Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo


Amor que acaba, nunca foi amor. Amor que é amor é eterno e não faz batota. Reciclo um post com mais de um ano, mas é mesmo assim que as coisas devem ser: amor que é amor nunca acaba.

Quem cantou a ideia de “amor único” foi Nelson Rodrigues, cronista brasileiro que, em “A Cabra Vadia” ou “O Óbvio Ululante”, escreveu com ortográfico desacordo um português querubínico. A Nelson sempre o atormentava a mesma nostalgia, a nostalgia do amor único e eterno. O amor do menino pela menina da porta ao lado, que começa aos 12 anos e dura a vida toda, o amor dos amantes que se matam, consolados pela vertigem duma paixão que os dispensa, sem cerimónias, de prestar contas ao mundo ou aos homens, a Deus ou ao Diabo, ao Céu ou ao Inferno.

Mas dito isto, pergunto: será que estamos preparados para os extremos inclementes de tanta paixão? Ou será que o amor eterno, o amor único, é apenas literatura?

E se a paixão for vil ou mentirosa, ou luminosa e efémera como um relâmpago, é menos paixão? Deixem-me dar exemplos. Literatura por literatura, basta-me como exemplo a volúpia dos encontros proibidos de alguns escritores. Anaïs Nin e Henry Miller tiveram o mais vicioso dos romances, ali mesmo, nas barbas do marido de Anaïs, sem que jamais ele suspeitasse. Era menos amor o amor deles por causa da mansa e traída fidelidade desse homem para cujos trémulos braços, no fim, a escritora voltou, acusando Miller de reduzir as mulheres à contingência biológica de “um buraco”?

Foi menos amor o desesperado e maldito “affair” em que F. Scott Fitzgerald, esquecendo a sua deprimida Zelda, se entregou a Dorothy Parker, ainda que, nessas brevíssimas e ternas noites, a Dorothy apenas a inspirasse uma profunda compaixão?

O amor que acaba não era amor, quis ensinar-nos Nelson Rodrigues. Mas também foi ele que disse “não se poder amar e ser feliz ao mesmo tempo”. Nelson, Nelson, com um veneno nos matas, com outro veneno nos curas.

4 comentários:

Anónimo disse...

Bem lembrado. Manuel, e que tal editar um livro de seleccao das cronicas do Nelson? Isso era servico publico. Olhe que o Presidente oferecia-lhe uma comenda.

Sofia Rocha disse...

Deve ser por isso que o amor tem idades. Quando é um amor velhinho deixa-nos apaziguados, felizes e calmos. Quando é novo, porta-se com a imodéstia, voracidade e volúpia da juventude, sendo um baile de infelicidade. Pode suceder porém que sejamos novos e sintamos um amor velho. Ou velhos, em contra ciclo com a natureza e sintamos um amor novo. E também pode suceder que, novos ou velhos, sintamos, ao mesmissimo tempo, um amor velho por alguém e um outro novo por outro alguém. Felizes e infelizes ao mesmo tempo, portanto.

Matilde disse...

O Amor tal como a Arte, é generoso e libertador, e devolve sempre, a seu tempo, todo o empenho.
Torna-se assim, como bem diz, eterno.

ps- Pela também eternidade da música, fica a sugestão de Liszt, próximo Sábado, 21h30, no revibrante órgão da Igreja da Lapa, Porto.

Manuel S. Fonseca disse...

Ó Pedro Lomba, a ideia de uma comenda ao peito é uma visão arrepiante. Que Deus salve todos os dias a minha alma e o lúcido pessimismo de Nelson me ajude.