sexta-feira, 6 de abril de 2007

Então e o amor?

Então e no amor? Ninguém fala no amor? Quem cantou a ideia de “amor único” foi Nelson Rodrigues, o extraordinário cronista brasileiro que, detestando em igual e rude medida Sartre e D. Helder da Câmara, escrevia um português excelso. Estivesse ele a tomar um cafézinho em Copacabana, ou a subir ao morro no bondinho, ou a entrar no Maracaná para ver seu Flu, sempre o assaltava a mesma nostalgia, a nostalgia do amor único e eterno. O amor do menino pela menina, vizinha do lado, que começa aos 12 anos e dura a vida toda, o amor que nos pega sem licença ao primeiro olhar, o amor dos amantes que se matam felizes, consolados pela vertigem da paixão que lhes basta, dispensando sem cerimónias o mundo e os Homens, Deus e o Diabo, o Céu e o Inferno. Nelson, Nelsinho, dramaturgo, poeta de um quotidiano carioca que era, nos idos de 60, um doce quotidiano tablóide, está nos antípodas do relativismo de Vinícius que, com a moleza de Itapoã, nos faz cair na tentação de acreditarmos que “é eterno o amor enquanto dura”. Nelson não tinha a volúpia baudelairiana de Vinícius. Era mais da honesta e viril família do grande Rossellini que, nos seus filmes (sobretudo em “Viagem em Itália”), pintou Ingrid Bergman a uma luz que muito mais exaltava a esposa do que a aventureira. Ou talvez da família de T.S.Eliot que com públicas palavras (abaixo canhestramente traduzidas) veio louvar a rosa do seu mais íntimo jardim.

DEDICATÓRIA À MINHA MULHER

Àquela a quem devo a sobressaltada delícia
Que acelera os meus sentidos ao acordar
E o ritmo que governa o repouso do nosso sono,
A respiração em uníssono

Dos amantes cujos corpos cheiram um ao outro
Que têm os mesmos pensamentos sem precisar de falar
E balbuciam os mesmos sons sem necessidade de sentido.

Nem o vento do inverno agreste gelará
Nem o sol do trópico inóspito fará mais brancas
As rosas do jardim que é nosso e só nosso

Mas esta dedicatória é para outros lerem:
Estas são palavras privadas que te dirijo em público.

T.S.Eliot, A Dedication to my Wife
In The Penguin Book of Love Poetry (p.70)

E nós? Ao tomarmos a bica ao balcão, perpassa por nós a nostalgia da moreninha que amámos entre a Primária e o Liceu? Em pleno Estádio da Luz, cantaríamos em público e sem pudor a doçura do Lar? Ainda haverá alguém que se atravesse para falar no amor?

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