quinta-feira, 5 de abril de 2007

Pela reinvenção do espaço público

Há algo de inquietante no actual espaço público. Auto-suficiente, justifica-se sem precisar de explicação que o extravase. E, assim, de modo aparentemente inconsciente, perde sentido e função.
A velha ideia de uma esfera de intermediação entre a sociedade civil e o Estado esboroa-se. A noção de lugar acessível a qualquer cidadão, a partir do qual se agrega e funda uma opinião colectiva, deixa de ter contornos claros.
E o ponto é que parece não haver retorno. Politicamente, este espaço público estiolou.
Comunicação de massas, industrialização do jornalismo, fragmentação da opinião foram passos de um caminho de inelutável esvaziamento político (por mais que queiram fazer-nos crer precisamente o contrário).
Hoje, chocando os seguidores de Arendt, há uma enorme confusão entre espaço público e esfera privada, entre intervenção pública e afirmação privada. Tudo se subjectivou e a emergência desta opinião moderna – pessoal, contingente, ao mesmo tempo difusa e omnipresente – representa um corolário dessa lógica evolutiva. Afinal, fruto de uma inexorável erosão das elites.
O argumento, como matéria-prima de uma construção discursiva assente em posições razoáveis, cede lugar à opinião, como expressão emotiva de um impulso, de um estado de alma, de um qualquer tropismo anímico do momento. E é assim. Toda a gente acha algo sobre seja qual for o pretexto. Todos acham que têm opinião. Pior, todos acham que têm direito à opinião (sendo claro que só os espíritos mais privilegiados têm consciência da fraude; os outros, coitados, embalados pelo ar do tempo, vivem o seu nirvana, incapazes de perceber o alcance da manipulação).
A apoiá-los, a indústria do politicamente correcto, da demagogia e do populismo. Alienação contemporânea, tão perigosa como todas as outras.
Ninguém é convidado a pensar, a ter uma visão crítica da sociedade e do mundo. Ninguém é estimulado a fazer a diferença. A modernidade formata, mas jamais convoca, interpela ou desafia.
À superfície, vive-se uma encenação de liberdade. Porém, no fundo das coisas, falta-lhe essência, porque lhe falta a possibilidade. Na espuma da aparência e do imediato, tudo se dispersa e pulveriza. Mas, por força disso mesmo, a eficácia é nula: nada se consegue acrescentar, nada se é capaz de mudar, nada se faz mexer.
Afinal, todos somos parte do drama. Fazemos de conta que participamos, que discutimos, que sindicamos, que controlamos. Às vezes, fraqueza das fraquezas, até fazemos de conta que nos sobra esperança.
Fim do caminho? Talvez não. Se percebermos o imperativo de reagir. Se nos exigirmos mais e melhor. Se reabilitarmos o pensamento e a inteligência. Se denunciarmos, em liberdade, sempre e sem contemplações.
Então, talvez consigamos devolver verdade ao que parece em vias de não ter nenhuma.

1 comentários:

Vítor Soares disse...

Cheguei à Geração de 60 através do Corta-fitas e a este post da Sofia Galvão através de uma particular afinidade electiva. Também eu estou empenhado em perceber a nova cidadania que é possível vivenciar no espaço público contemporâneo em que as teorizações de Arendt e Habermas têm cada vez menos adesão à realidade. Num tempo em que, paradoxalmente, a dita Sociedade da Informação criou a infoexclusão, o meu modesto contributo para combater tal estado de coisas vai sendo actualizado em http://infoinclusoes.blogspot.com e um pequeno resumo da investigação que estou a desenvolver pode ser lido em http://infoinclusoes.no.sapo.pt/resumo.pdf