Suez - antes da geração de 60
Há meio século, em 1956, teve lugar uma guerra esquecida mas cheia de lições: a invasão do Egipto pelo Reino Unido, França e Israel. À parte o sucesso israelita no Sinai, esta guerra representou para as potências europeias um falhanço militar e um desastre político, sendo travada já quando decorriam as operações militares na ONU por acção dos Estados Unidos da América.
Mas há muitas outras razões pelas quais deveríamos recordar Suez. Foi a primeira vez em que os cidadãos e a opinião pública de uma democracia ocidental contestaram fortemente, em Inglaterra, a chamada às armas, o que precipitou a queda de Eden. Os Estados Unidos não compreenderam esta lição antes do Vietname. E há muito em comum entre Suez, 1956 e Iraque, 2003.
A crise de Suez foi precipitada por Gamal Abdel Nasser, um líder populista que avançou com a ideia do pan-arabismo anti-israelita, a ser liderado, evidentemente, pelo Egipto e por si próprio. A nacionalização do canal de Suez, no verão de 1956, foi a gota de água para a França e Reino Unido, e precipitou a acção militar, que hoje sabemos ter sido secretamente concertada com Israel.
Para a opinião pública, a intervenção militar foi vendida como necessária para “manter a liberdade de circulação no canal”. Na verdade, não há hoje dúvidas de que o objectivo era derrubar o regime de Nasser. Para isso, Nasser foi diabolizado, o perigo para o resto do Mundo foi exagerado e, quando se verificou que era injustificado, a febre da guerra foi levada a ponto de ebulição comparando as políticas de compromisso com Nasser com apaziguamento a Hitler (Munique tinha sido apenas 18 anos antes!). Isto foi há 50 anos. Mas, mutatis mutandis, soa como se tivesse sido há 4.
Pessoalmente, sempre tive (e continuo a ter) dúvidas e nunca certezas, ao contrário de tantos políticos e comentadores tão convictos, sobre o Iraque. Ninguém sabe como vai acabar a aventura anglo-americana. Mas sabemos hoje, graças a Bob Woodward (o mesmo Woodward que, com Carl Bernstein, revelou ao Mundo o escândalo Watergate), que a administração Bush já tinha esboçado planos para invadir o Iraque visando a mudança de regime antes do 11 de Setembro; depois disso apenas os acelerou. Os paralelos entre Suez 1956 e Iraque 2003 são impressionantes. É curioso, aliás, que o triângulo Estados Unidos – Reino Unido – França tenha sido o mesmo nas crises do Suez e do Iraque; só o vértice que se apoiou na ONU, em ambos os casos, foi diferente.
Uma das ironias do destino de Suez é que, seis meses depois da guerra, tudo tinha voltado ao normal: o canal tinha sido reaberto e esteve sempre aberto à circulação internacional. O casus belli não existia. Por outro lado, a vitória de Nasser foi de Pirro: o pan-arabismo à la Nasser não vingou. A Síria chegou unir-se com o Egipto em 1958, sob o domínio deste, na República Árabe Unida, primeiro passo para a unificação árabe. Mas a Síria declarou a secessão 3 anos depois, e o sonho de Nasser ficou por ali. Nasser morreu em 1970 e o Egipto continuou a chamar-se República Árabe Unida até 1971, altura em que voltou a chamar-se simplesmente Egipto.
O resto é história pós-geração de 60: o Egipto tornou-se no estado árabe mais moderado, que continua a ser; o sucessor de Nasser, Anwar el-Sadat, foi o primeiro líder árabe a assinar a paz com Israel, e pagou com a vida essa dissensão. O Egipto é, de todos os estados árabes, o único que no século XXI se assemelha minimamente a uma democracia ocidental.
É pena que a crise de Suez esteja, meio século depois, tão esquecida. Suez é um exemplo perfeito do lugar-comum, que neste caso não podia ser mais verdadeiro, de que quem não conhece a História está condenado a repeti-la. Sobretudo quando o nome do aventureirismo ocidental parece ser, meio século depois, Irão. Também aqui não consigo ter certezas. O leitor consegue?
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