Céu ou Inferno?
As relações entre o sagrado e o profano já não são o que eram. E o mundo também já não é o que era, novidade que repetimos, despreocupados, ano a ano, século a século.
Mas há talvez, entre os insanos e mais recentes indícios, razões para crer que o mundo mudou mesmo. Dou um exemplo: há poucas semanas, Chávez, el presidente, e Naomi, the model, fizeram a Imprensa suspender a respiração. Anunciaram à humanidade incrédula uma insuspeita e improvável afinidade electiva. Naomi, que há 40 anos, seria o mais imprestável modelo de alienação marcusiana, veio proclamar a sua admiração por Chávez, um símbolo da revolução (linha mariachi). O símbolo gostou e retribuiu com requintes bolívarianos. Perante o espectáculo, e se não se importam, tenho até saudades do marxismo messiânico do Che ou mesmo do jovem Fidel.
Pouco importa: com ou sem Chávez, com ou sem Naomi, mudou a natureza do trabalho, mudou até a natureza do mercado, mudou a natureza do conhecimento.
Esperamos, esperávamos que houvesse coisas que nunca mudassem. A Penthouse, por exemplo. Durante décadas a revista americana ofereceu ao público masculino um entretenimento que, até pela abertura a que a modesta Playboy não se atrevia, diríamos estar já no domínio da pornografia soft, ainda que socialmente aceitável.
Era o que era: um valor seguro. Mas a Penthouse decidiu passar do gozo terrestre ao gozo celestial. Uma mudança que vai mergulhar alguma viril humanidade na dúvida e no desespero. Respondendo à concorrência da pornografia gratuita da internet, os gestores da Penthouse descobriram e juntaram a religião ao conjunto das suas revistas e sítios soft-porn. A Penthouse e a Big Church, o novo website já em português, integram o mesmo portal. Nunca o sagrado e o profano tinham alcançado tão íntima fusão. O céu e o inferno, o deboche e a santidade, o porno e o pio estão irmanados.
O promotor desta revolução – prova última da mudança do mundo – é o gestor Marc Bell, o novo guru de um grupo que foi criado para ser uma referência de honesta devassidão, passe o triste oxímoro. Com Bell no comando, e com os negócios em crise, a Penthouse aderiu a uma nova teologia: "Bringing people together in love and faith." Ao lado do velho emblema, surgem agora os sítios de encontro de parceiros para cristãos. Com resultados: “As minhas orações para encontrar um homem respeitável, foram escutadas. Obrigado BigChurch.com”, disse à Newsweek uma das veneráveis utilizadoras.
O acréscimo da religião e doutros sítios de “interesse social”, diversifica e expande o negócio da Penthouse até agora tão obscuramente focado. A crise será luminosamente vencida.
O mundo mudou. Mas confesso alguma cristã nostalgia dos bons tempos em que Sade ou Bataille eram os nossos campeões da mística associação entre o erotismo e o mal.
Com a devida vénia ao Pnet Homem, onde, com "love and faith", me aturam às 3ªs.
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