terça-feira, 8 de abril de 2008

II. Pierre DEGHAYE, De Paracelse à Thomas Mann : les avatars de l'hermétisme allemand, Paris, Dervy, " Bibliothèque de l'hermétisme ", 2000.

O lugar comum mais primitivo diz que o hermetismo é o inverso do espírito científico. Para quem tem a imagem do cientista burguês de meados do século XIX, de fraque e cinzenta figura, poderá ser verdade. Mas a ciência é bem mais vasta que isso. O hermetismo influenciou Newton mas também Leibniz, a química em formação, as ciências naturais. Em meados do século XIX era pecado para muitos cientistas falar em energia (conceito hermético, se o há) até que Mach e mais tarde Einstein lhe dão um papel central na ciência. Atracção universal é conceito hermético por excelência, e foi sobre ele que Newton estabeleceu a sua doutrina, até ao ponto de Leibniz criticar a ideia de acção à distância (neste sentido o alemão Leibniz está mais próximo do empirismo que o inglês Newton, ironia se a há). A iatroquímica, a cura “farmacêutica” que nós praticamos em massa hoje em dia, é criação hermética, em que não foi figura menor Paracelso.

Um lugar comum mais sofisticado é o de se considerar que a França e a Inglaterra se livraram do hermetismo, ao contrário da Alemanha. Novo erro. Os neoplatonismos de Oxford, os neopaganismos, as religiões telúricas, o Wicca mostram o peso destes movimentos nas ilhas britânicas, mais até que no continente, sobretudo no que respeita às elites sociais. A Inglaterra está bem longe de ser o país do empirismo que gosta de mostrar aos outros e a si mesma. Em França, para já não falar da actual Madame Soleil, passa por Mesmer, Cagliostro, Kardec entre muitos outros. Mas também Pierre Curie, grande antecipador do conceito de simetria na física, mais que o anedótico marido de Marie.

A verdade é que a Alemanha, até por não se ter sentido no dever de ser farol do mundo tão precocemente quanto a França e a Inglaterra, teve a vantagem de incorporar o hermetismo da sua cultura oficial. Na literatura, mas também na filosofia, igualmente na ciência manteve um papel visível e institucional para o hermetismo. Na mística Rússia Scriabin está na margem. Na cultura alemã, Goethe da planta primordial e das afinidades electivas, Gauss do magnetismo, Jung, Thomas Mann, Murnau, mas também Heisenberg estão no centro.

Façamos então a pergunta que é de esperar. Porque razão estudar o hermetismo hoje em dia? Para compreender a cultura da nossa época e nomeadamente a ciência, sem dúvida. Para compreendermos a psicologia do homem contemporâneo, de certeza. Mas, não menos importante, para percebermos que muito do que se faz e diz no espaço público mais não é que uma repetição vulgata de uma forma de pensar que teve e tem as suas glórias, mas que em mãos erradas se reduz ao cartomante de feira.



Alexandre Brandão da Veiga


http://www.geocities.co.jp/Technopolis/9866/shinkan11.html
http://www.libra.titech.ac.jp/kagakushi2/welcome.html
http://www.alapage.com/-/Fiche/Livres/2844540228/?id=276991175514615&donnee_appel=GOOGL&sv=X_L
http://www.joachimschummer.net/papers/2006_MadScientist_Ambix.pdf

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