0% de prémios na administração pública
O Correio da Manhã de ontem, dia 9 de Abril de 2008, na página 22, apresenta um pequeno artigo com o título «Autarquias sem prémios», onde pode ler-se:
«(...) A lei do Orçamento do Estado para 2008 estabelece, no artigo 119º, que os serviços públicos devem salvaguardar recursos financeiros destinados ao pagamento de prémios de desempenho a cinco por cento dos trabalhadores e a cinco por cento dos dirigentes de nível intermédio. Como a atribuição de prémios de desempenho está também prevista na nova lei dos vínculos, carreiras e remunerações da Administração Pública, a ANMP [ – Associação Nacional dos Municípios Portugueses – ] reuniu ontem para analisar se as autarquias também têm de pagar prémios de desempenho. E a conclusão foi categórica: “Nós não temos dúvidas que a legislação (lei 12-A) se aplica a nós.” O problema é que, com a generalidade das autarquias fortemente endividadas, “os orçamentos das câmaras não permitem o pagamento dos prémios de desempenho”, diz Fernando Ruas. E avança com uma explicação: “O Governo contou com isso no Orçamento de Estado, a nós não nos disse nada e nós não temos dinheiro.” (...) Para o presidente da ANMP, “não pode ser atribuida qualquer responsabilidade às autarquias por esta situação. (...) Quanto muito, as autarquias poderão preparar-se para o próximo ano.”»
Talvez o melhor fosse deixar tudo isto assim, sem comentários. Mas não consigo. Arrisco, por isso, um único. É que, se há coisa que este caso exemplifica é a total falta de autonomia existente no nosso Estado, levada (obviamente por via do interesse continuado dos partidos políticos em que assim seja) ao extremo da confusão. Reparemos bem: O Governo legisla sobre uma matéria que também implica as autarquias. As autarquias, porém, desconhecem-no, pelo que, apesar do Governo ter considerado o disposto na lei ao elaborar o Orçamento do Estado, o mesmo não se passou com as autarquias. Deste modo, as autarquias dizem que não podem cumprir o disposto na lei e inscrito no Orçamento do Estado, relativamente ao que, aliás, dizem não ser responsáveis. As autarquias tentarão, contudo, à laia de gesto de boa vontade, fazê-lo no ano que vem, independentemente do que para esse ano o Governo disponha na lei.
A coisa, já de si absurda, aparecerá em toda a sua magnitude se traduzirmos “Governo” por “Estado” e “autarquias” também por “Estado”, o que, para lá do exercício de retórica, a bem dizer, é verdade. Vejamos, então, como fica: «O Estado legisla sobre uma matéria que também implica o Estado. O Estado, porém, desconhece-o, pelo que, apesar do Estado ter considerado o disposto na lei ao elaborar o Orçamento do Estado, o mesmo não se passou com o Estado. Deste modo, o Estado diz que não pode cumprir o disposto na lei e inscrito no Orçamento do Estado, relativamente ao que, aliás, diz não ser responsável. O Estado tentará, contudo, à laia de gesto de boa vontade, fazê-lo no ano que vem, independentemente do que para esse ano o Estado disponha na lei.
Ora, não será já tempo dos sucessivos governos deixarem de nos iludir com falsas e falsamente apregoadas reformas da administração pública e de, ao invés, criarem condições para que a administração pública, lenta e gradualmente, se construa a si mesma, de forma autónoma e em relação com os cidadãos? Premeiem-se e punam-se então as pessoas e os organismos que o merecerem, de acordo com o serviço por eles objectivamente prestado aos cidadãos... Ou será que ainda há quem julgue sustentável, neste depauperado e desesperado Portugal, manter a administração pública fechada sobre si mesma para, deste modo, servir os pontuais e particulares interesses dos partidos políticos?
2 comentários:
Pertinente questão !
Mas não consigo deixar de pensar que a administração pública e os partidos politicos são compostos por pessoas concretas: nós!
Neste ponto a questão recoloca-se: não será já tempo de encararmos o desempenho da cidadania de outra forma ? Ou somos meros espectadores do "amigável" entre Rosinhas e Laranjinhas?
Meu caro Manuel Rocha
Tem toda a razão. Mas "encararmos o desempenho da cidadania de outra forma" implica, para além de outras coisas (nomeadamente condições familiares e económicas de suporte), a nossa associação e intervenção efectiva ao nível da sociedade civil e, consequentemente, ao nível da sociedade política. Ou seja - e este é o meu ponto - não creio, no actual contexto, na bondade das revoluções, e nem sequer das reformas, mas, como no post disse, na construção autónoma da administração pública (de cada um dos seus organismos) em relação com os cidadãos.
Ora, para que a questão se desloque do centralismo estatal (com a sua subserviência político-partidária), onde exclusivamente se encontra, para a relação entre os cidadãos e o Estado, continua a ser fundamental a intervenção dos partidos políticos, mas é sobretudo urgente, hoje, tal como você disse - e bem - a existência e a intervenção dos cidadãos: nem isolados, nem partidarizados, mas autónomos, eles também!
Um abraço
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