Que bom ter esquerda e direita semelhantes
Este post é uma estreia que responde a dois apelos. O primeiro é nobre: aceitar com gosto o convite lançado pela Sofia Galvão e pelo Pedro Norton para me juntar à geração de 60 (apesar de nascido em 72!) O segundo é desafiador: contrariar a convicção (pessoal, claro) de que os blogues não vão além da pequena comunidade que os lê. O que ficar escrito, portanto, não terá 'hidden assets'. Será o que vai ser. Agora.
O Financial Times publicou hoje, quarta-feira, um texto curioso. Ele fala da convergência entre a esquerda e a direita em Inglaterra - e sugere que já saltou a ilha, sublinhando que é mal que atinge as democracias civilizadas. O argumento acusa genericamente Gordon Brown e David Cameron de cedências ao pragmatismo. Em vez de ideais, diz, os dois políticos definem objectivos. E isso é mau. O autor não tem razão.
Ou melhor, razão ele tem, porque defende que isso é a política rendida ao objectivo de conquistar eleições. O que faz com que se engane é considerar que isso é mau. É bom, e explicar isso exige três ideias simples.
Primeira: Foram os conservadores quem escreveu que a política virtuosa era a que revelava capacidade de se adaptar às circunstâncias. O inglês Michael Oakeshott ficou célebre por defender que o político mais capaz é aquele que descobre a melhor solução de acordo com as circunstâncias, por oposição aquele que julga ter a solução perfeita para qualquer circunstância (Oakeshott estava a pensar em Marx, claro). O que não ficou dito - logo nessa época - é que essa epifania de Oakeshott não fazia mais do que dar nome a uma descoberta dos políticos que se reclamavam de esquerda. Isto é, Oakeshott limitou-se a elaborar sobre um facto que gente como Marx ou Rosa Luxemburgo descobriram - a melhor política é aquela que promete os resultados que a maioria das pessoas deseja mais ardentemente, uma vez que esses resultados são meios de 'dar' o que essas pessoas verdadeiramente desejam à luz das circunstâncias em que vivem.
Segunda: As circunstâncias, portanto, são tudo em política porque só elas permitem desenhar programas (sociais ou económicos) que respondam aos apelos das populações do seu tempo. Ou seja, esquerda e direita convergem desde sempre nessa evidência - o que tramou quer uns quer outros foram protagonistas que acreditaram ter chegado a soluções que sobreviveriam ao seu tempo. Não sobrevivem - geram axcessos ou totalitarismos. Ora, nem Brown nem Cameron são políticos assim, excessivos. Eles sabem que aquilo que lhes dará longevidade consiste, justamente, em adaptar as suas políticas às circunstâncias - porque estas se alteram. E é isso que faz deles bons políticos.
Terceira: Sempre que dois partidos convergem nesta variável, conclui-se, isso são boas notícias, não o anúncio do declínio das democracias representativas: Pode dizer-se: mas isso limita o alcance de uma política pública - ela acaba por morrer muito rápido. Pois acaba, e isso é bom. Se esta ideia fosse evidente para todos os político, não teríamos crises nos programas educativos ou falências nos sistemas de segurança social. Sucede que temos, o que permite o statemento final: esses problemas só existem porque foram pensados para outras circunstâncias. Não é retórica, é a realidade. É a falta de flexibilidade da política no ajustamento às circunstâncias que lhe retira alcance e eficácia.
Conclusão: Brown e Cameron podem e devem convergir se o compromisso consistir - cada um à sua maneira - em apresentar resultados que respondam aos anseios da população. Isso é politica, e é a forma que passará a distinguir políticos. Não esquerda e direita. Sócrates sabe-o, mas todos os dias reprime essa certeza. Menezes busca - mas tropeça todos os dias na sua indecisão. Sucede que a solução é a que dá razão a Brown e Cameron - contrariando o artigo do Financial Times: só haverá direita e esquerda quando aquilo que os distinguir for as diferenças que cada um revela, a cada momento, para dar resposta ás necessidades das pessoas.
3 comentários:
Bem vindo, Martim!
O totalitarismo encontra expressão em governos com uma ideologia prédefinida tanto como no pragmatismo que elimina a palavra dada na véspera das eleições. Depende de quem o pratica.
Também em Portugal - ignorando o mérito e demérito de quem ganhou e perdeu o último escurtínio - os eleitos não falaram de ideias mas de objectivos, chegando a quantificar o número de empregos que seríam criados.
É bom dar conta, peso e medida aos grandes propósitos. O ponto é que, a ausência do Norte, a favor do vento que vai soprando a cada momento, pode parecer mais flexível e apropriado mas implica também a aplicação das políticas às circunstâncias, fazendo perigar o rumo de cada País que excede um mandato. Simultaneamente, os próprios objectivos alteram-se com as circunstâncias dentro desse mandato.
Numa palavra: a concretização das políticas em objectivos, se respeitada, acaba por prender mais do que as grandes linhas de rumo de direita ou de esquerda que conhecem lugar a curto e a longo prazo, alcançando objectivos mais estruturados, mais adaptados e mais verdadeiros uma vez que a palavra não é questionada pela flutuação das circunstâncias.
Caro Martim,
Ouso discordar. Se é verdade que a política tem uma dimensão «mercantilista» que se exprime na «caça ao voto» (e que, concordo, não deve ter uma dimensão tão negativa como a que, hipocritamente, se lhe atribui) não é verdade que ela se esgote nessa dimensão. Sendo verdade que não pode haver política (nem políticas) sem poder (e daí a relevância da dimensão «mercantilista» da política), também é verdade o poder sem política (isto é sem um desígnio ou um propósito autónomo do da conquista ou manutenção do próprio poder) conduz normalmente à desgraça e é causa de boa parte do descrédito em que caiu a classe política.Porque uma política puramente circunstancial é por natureza errática, contraditória, pouco credível e só por puro acaso produz resultados minimamente controlados.
Um barco para avançar contra o vento tem de ir mudando de direcção. Mas se tiver um rumo acaba por aportar onde deseja. Caso contrário limita-se a andar às voltas sem sair do sítio.
O raciocínio tem, de facto, uma fragilidade: é falível, como todos os que retratam a política. De resto (e o resto é tudo)fala-nos do nosso mundo. E ainda bem porque, hoje, quem teme resultados acaba a temer pela sua própria existência. Em casa, no trabalho, na vida, logo na política também.
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