domingo, 23 de março de 2008

A Filosofia e o Homem de Sempre

É porque ninguém tem a posse da verdade una e indivisa que a filosofia é a mais importante e decisiva disciplina dirigida ao saber. Fosse o mundo redutível ao imanentismo da mecânica e não haveria um segredo por decifrar, nem uma vida por aprofundar, nem uma verdade por revelar.

É porque o saber universal é uma finalidade perseguida individualmente que cada homem não pode receber de empréstimo, mas pela sua própria experiência, que a filosofia é decisiva como garantia da liberdade dos indivíduos.
É porque as certezas das ciências se vão sucedendo entre glória, insucesso e revisões, que a filosofia é um fio condutor indispensável que une épocas e lugares em vez de os “musealizar” e compartimentar. É a razão porque o “Discurso do Método” foi e é mais importante que os tratados científicos de que foi o prefácio.
A interrogação fundamental do homem não se reduz à excitação que move os universitários, sempre ofegantes no cimo dos seus castelos de cartas, convencidos de que têm a última palavra sobre um qualquer último assunto.
É por isso que todo o ensino que pretenda formar homens livres tem de ter, no cume da sua escalada, uma interrogação filosófica da qual depende toda a construção de um sistema. Só a filosofia garante que o saber não se separa da realidade e da experiência humana nem pretende deixar de interrogar-se sobre a sua natureza. Não há saber que não se deduza do pensamento do princípio de que, como teoria, depende.
Étienne Gilson(1884-1978) no seu “L’être e l’essence” (1948) expõe como diferentes filósofos, tomando o Ser pela Verdade, separaram a realidade que atribuíram ao Ser da procura da Verdade que nunca se reduz nem pode conter naquilo que o Ser é.

Em Portugal, em 1912, num livro que serviu de exame de admissão para assistente da cadeira de filosofia na Faculdade de Letras de Lisboa, Leonardo Coimbra, então com 27 anos, escreveu o “Criacionismo”, obra em que analisou os principais, e na altura actuais, sistemas filosóficos e onde chamou a atenção para um grave vício do pensamento: o cousismo. Este vício consiste na transformação do que é movente, o pensamento, numa “coisa”, estática, que por muito bem construída que seja está sempre separada do pensamento que cria a realidade e que, reflexivamente, a pensa. Entre os livros de Gilson e Leonardo devem haver 50 anos de diferença.
Leonardo Coimbra (1883-1936) é autor de uma vasta obra filosófica e, como Heidegger com Holderlin, foi um filósofo com uma alma poética irmã, Teixeira de Pascoaes a quem escreveu em 1922 um extraordinário prefácio à 2.ª edição de “Regresso ao Paraíso”. As suas obras completas foram editadas pela Lello & Irmãos e os Dispersos pela Verbo. Destacam-se entre os principais títulos, além de “O Criacionismo - Esboço dum, sistema filosófico”, “A Morte”(1913), “Pensamento Criacionista”(1915), “A Alegria, a Dor e a Graça”(1916), “A Luta pela Imortalidade”(1918), “A Filosofia de Henri Bergson”(1932) e “A Rússia de Hoje e o Homem de Sempre”(1935).

[NOTA: Delfim Santos, que foi discípulo de Leonardo na Universidade de Letras do Porto, descobriu um dia nos arquivos da Faculdade de Letras de Lisboa, onde nunca conseguiu ter a cátedra de filosofia (apenas a de pedagogia) não obstante os doutoramentos com que internacionalmente foi reconhecido, todas as cópias que Leonardo tinha entregue para serem examinadas, por abrir. Foi escolhido o outro candidato.]

1 comentários:

Anónimo disse...

A Filosofia é uma disciplina que, infelizmente,tem estado a perder o seu papel na sociedade. No entanto, parece-me que o seu papel é essencial. A filosofia é, por excelência, pensamento crítico; neste sentido, é ela que nos possibilita estruturar o pensamento de modo a analisar aquilo com que nos confrontamos: crenças, ciência, problemas do dia-a-dia. Tomemos o caso das crenças. Alguém que tenha uma preparação consistente em Filosofia procura razões para acreditar em algo, não tendo, em princípio, crenças absurdas. A meu ver, se nos países do médio-oriente houvesse educação filosófica, haveria uma diminuição radical de terroristas porque haveria menos gente a acreditar em coisas absurdas.
Numa palavra: a filosofia tem uma aplicabilidade prática que é, num tom mais poético, tornar-nos pensadores livres e ajudar-nos a decidir sobre como viver.

(Fiz um post no meu blog acerca deste assunto em: http://agorasocial.wordpress.com/2008/03/19/o-que-e-a-filosofia/ )

Luís Rodrigues