sábado, 22 de março de 2008

Liberdade de Ensino

Os insucessos das reformas educativas já deviam ter demonstrado à saciedade que o que importa nas reformas não é a revisão da organização administrativa, mas a definição dos objectivos e finalidades da educação.
Defendi em dois posts anteriores que a finalidade da educação é a formação de homens livres. Por isso, ela deveria estar a salvo de todas as formas de instrumentalização a que tem estado sujeita. Como princípio a seguir, o que mais importa, é estabelecer o primado da liberdade de ensinar sobre a liberdade de aprender. Prevalecendo a liberdade de aprender tal conduz, porque tal implica, a uma inversão dos objectivos da educação

Ou seja, ao sobrepor o direito a aprender ao de ensinar cai-se na subjugação do direito de ensinar ao direito de aprender. Há o risco de se solicitar um direito que não pode devidamente ser satisfeito por não haver ninguém que ensine.
A vontade dos Estados em impor uma educação obriga a um ensino a qualquer preço, mesmo que o preço seja não haver nada nem ninguém capaz para ensinar. Assim, os programas tornam-se descrições ou doutrinas mortas, impositivas, que os alunos decoram e repetem para atingir os objectivos estatísticos que permitem à propaganda dos Estados alardearem resultados de sucesso escolar e de sucesso dos seus modelos educativos.
Fazendo com que prevaleça a liberdade de ensinar, o Estado, perderia o domínio da educação, o controle dos programas e a condução das mentalidades que legitimam irracionalmente o seu falso sucesso.
O ensino deverá o que os educadores fizerem dele e, naturalmente, encaminhar-se-á não só para o que está vivo, como fará da filosofia da história uma continuidade com a actualidade.
Esta mudança de centro de gravidade estruturante do ensino, levará a que os professores conduzam com uma responsabilidade efectiva a formação das novas gerações. As ideologias de Estado, serão substituídas pelo saber dos professores, sujeitos assim, a uma avaliação contínua, cujo reconhecimento ou rejeição será garantida pelos pais e pelos alunos no momento de livremente optarem por esta ou por aquela escola, liceu ou universidade.

A relação entre o mercado e o desemprego é um falso problema. O que o desemprego espelha são anos sucessivos de desresponsabilização em que os alunos foram viciados com o actual sistema de ensino. Avaliados em “matérias” áridas, em programas sem objectividade intelectual, como cobaias para o sucesso de sucessivas estatísticas de sucessivos governos incompetentes e mesmo perversos, os formandos são ensinados a fazerem do pouco que aprendem um instrumento para a sua chantagem social. Instruídos em vitimização e em exigência de direitos que ninguém lhes pode garantir, cumprem os objectivos cegos de um sistema cego que não os educa e que os afasta de toda e qualquer forma de educação. Quer dizer, afasta-os da finalidade da educação que é a procura do saber da verdade como acto de libertação da condição de ignorância, que a todos os homens aprisiona, mas de que todos têm de partir para a formação da sua consciência individual.

A situação do homem no mundo não muda com o tempo, nem com o espaço. Sempre houve, e há, o que se interpreta como evoluções — normalmente relativas às condições de vida —, mas a natureza existencial do homem não se altera. Há sempre uma condição a partir da qual se pensa a liberdade, a justiça e a verdade. O processo dessa consciência não faz com que a verdade una e indivisa seja possuída por algum homem. A verdade não é opinião. Foi nessa distinção que consistiu a criação da filosofia como órgão da liberdade. Pensar filosoficamente foi o que abriu ao homem a possibilidade de se conhecer a si mesmo e assim inaugurar um caminho de libertação da escravidão em que, sem liberdade, sem noção da liberdade, de nada se podia ou era sequer para se libertar. O modo individual como o pensamento se pensa, não o torna refém de quem o pensa. Pensar tendo como finalidade a verdade una e indivisa é um acto do ponto de vista existencial de máxima humildade e não de arrogância. Pensar é sempre pensar a verdade e pensar a verdade é aproximar cada um do saber de si próprio como meio para o saber universal. Conheço-me na medida em que em mim conheço o universal que há em mim.

Por tudo isto, quando se afirma que a finalidade da edução é formar homens livres, se está a afirmar que sem o saber de si próprio o homem é pouco mais do que um escravo que não pode conduzir os seus destinos por não poder responder por eles, isto, por não poder ser responsável. A responsabilidade é a consequência da autoridade. A autoridade é dada pelo pensamento livre. Um sistema de educação que não tenha o seu princípio na autoridade, no sentido de ser autor do que pensa e, por isso, ter a liberdade de ensinar o que sabe, está condenado a escravizar aqueles que deveria ajudar a libertar.

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