sexta-feira, 21 de março de 2008

Demasiadas palavras

O Expresso traz hoje um artigo interessante sobre a "diarreia" e "verborreia" legislativas. Legisla-se demais e com demasiadas palavras em Portugal. O problema tem, no entanto, tanto de cultura legislativa como de cultura jurídica. Por outras palavras, este problema tem provavelmente mais a ver com a nossa cultura jurídica do que com a nossa cultura política. A nossa cultura jurídica é profundamente formalista e isso leva a que qualquer problema jurídico seja sempre atribuído ao legislador e não ao intérprete. Quando existe um problema na adaptação da norma ao seu contexto social e económico isso nunca é concebido como um problema de interpretação mas sim como uma lacuna do legislador. Este procura antecipar-se e legislar todos os detalhes o que, frequentemente, apenas reforça a incerteza e o formalismo (veja-se a discussão sobre a aplicação da lei do tabaco aos casinos e como a questão foi concebida como um problema do legislador que não tinha previsto todas as situações possíveis…). É na cultura de interpretação das normas (descontextualizada e sem atender à finalidade das mesmas) que reside uma parte da explicação para essa "diarreia" e "verborreia" legislativas. Quando uma norma é vista apenas como o somatório das suas palavras é natural que sejam necessárias muitas palavras…

2 comentários:

Anónimo disse...

Isso seria assim caso o actual legislador fosse o legislador razoável, sensato, sabedor e técnicamente competente que a lei civil pressupõe, o que não acontece, de todo em todo.Só quem tem que se confrontar no dia a dia com a actual legislação sabe o calvário que é.. e aí reside o nó górdio da ineficácia e da falta de produtividade...

Sofia Galvão disse...

O Expresso não se detém num aspecto que me parece essencial. A saber: o pavor - verdadeiro pavor - com que, em geral, convivemos com a ausência da regra escrita, formal, explícita, directa, exacta, da regra que responda - e corresponda - 'ipsis verbis' à situação que queremos ver tratada.
Na minha perspectiva, temos uma profunda desconfiança do aplicador do Direito e, por isso, alimentamos uma esperança ingénua de lhe limitar ao extremo a tarefa da interpretação. Colectivamente, por mais inconfessável que a 'inteligentsia' o considere, o sonho é o do aplicador-autómato, apoiado numa lógica silogística fatal e cega. A nossa Administração Pública, em particular, sente-se ameaçada e perdida se não tiver uma qualquer alínea, de um qualquer número de um enésimo artigo com base na qual possa descansar a decisão e o subsequente ofício.
E perante isto, Miguel, como poderia não haver diarreia? Conheces caldo de cultura mais laxativo?