The Dream Is Over - Os Beatles e a Filosofia
É impossível falar dos anos 60 sem logo associar como constituindo-se com a década dos Beatles, como impossível é falar dos Beatles sem logo pensar na década do Séc. XX em que tudo mudou, a década que tudo mudou.
Bem, se não dermos a esse tudo um sentido absoluto, quase poderemos dizer que sim, que, de um certo ponto de vista, i.e., do ponto de vista do entendimento do mundo e da consequente atitude perante esse e nesse mesmo mundo, de facto, mudou. Encurtando razões, afigura-se-nos, inclusive, não exagerarmos muito se afirmarmos terem esses efervescentes, loucos, quiméricos e furiosos anos 60, visto nascer, ou terem mesmo criado, uma nova Mundovisão, se assim podemos dizer, Mundovisão para a qual o contributo dos Beatles foi também, no mínimo, decisivo.
Todos estamos recordados, por certo _ as gerações mais antigas por testemunho directo, as mais recentes por conhecimento histórico mínimo _, da polémica gerada em torno da bombástica afirmação de John Lennon segundo a qual os Beatles eram mais populares do que Jesus. Estava-se em 1966, os Beatles encontravam-se prestes a iniciar aquela que viria a ser a sua última tournée nos Estados Unidos e, afinal, também a última da sua carreira. As palavras de Lennon, sem causar particular comoção em Inglaterra ou na Europa em geral, logo fizeram explodir os ânimos dos sulistas norte-americanos, exaltando-se a ponto de queimarem os seus discos e demais memorábilia, em verdadeiros Autos-de-Fé, sem faltar sequer as inevitáveis fogueiras públicas de purificação, com o Klu Klux Klan a expressar, por seu lado, a intenção de os atacar, sem misericórdia, caso mantivessem o plano de prosseguirem com os espectáculos em solo americano. As hostilidades não se ficaram no entanto pelo Sul e pelo Ku Klux Klan, disseminando-se um pouco por toda a parte e levando à necessidade de John Lennon ter de se explicar, em acto de contrição e desagravo, numa entrevista preparada para o efeito e transmitida pela televisão, em cadeia nacional, para esclarecer e defender os Beatles das acusações de comunistas, satanistas e estarem a realizar uma verdadeira lavagem ao cérebro à juventude.
John Lennon lá teve que se explicar:«Não sou contra Deus, contra Cristo, contra a Religião. Eu não disse que somos maiores ou melhores. Acredito em Deus mas não como uma coisa, não como um velho no céu. Acredito que aquilo que as pessoas chamam Deus é algo que está em todos nós.[...] Lamento ter feito aquela declaração. Jamais tive a intenção de ser anti-religioso. Pelo que li, ou observei, parece-me que o cristianismo está a perder preponderância, a diminuir de significado para as pessoas.»
As explicações foram bem aceites. As ameaças, mesmo de morte foram retiradas. A guarda manteve-se mas, feita nova avaliação dos riscos, entendeu-se poder dar-se início à digressão. Como esperado, mais um êxito retumbante. No entanto, a pressão a que estiveram sujeitos os Fab Four, foi demasiada e, o passo seguinte, foi o completo e definitivo abandono de quaisquer espectáculos ao vivo.
Mais tarde, John Lennon e Paul McCartney haviam de confessar estarem já cansados desses espectáculos em que a histeria se tornava tão ensurdecedora que chegavam a não se ouvir a si mesmos, sucedendo até, numa determinada ocasião, a guitarra de george harrison ter estado desligada mais de vinte minutos sem que alguém desse por isso.
Era ainda 1966 e, depois do regresso, da paragem dos espectáculos ao vivo, remetidos a estúdio, haviam de produzir aquela que é considerada vulgarmente a obra-prima, um marco decisivo, na história da música pop do século XX, o arquifamoso «Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band».
O episódio da polémica em torno das palavras de Lennon, de «serem mais populares que Jesus», dá já uma boa nota do ambiente da época e, mais do que isso, a resposta, um excelente exemplo de um dos pontos-chave da «filosofia» dos Beatles, ou seja, da ideia de um Deus interior, marcando desde logo as razões de um tão vincado e acentuado sentido da individualidade expressa em múltiplas canções e de múltiplos modos.
Um dos exemplos disso mesmo é «All You Need is Love» que se tornaria em espécie de hino de toda uma geração: «There’s nothing you can do that can’t be done/there’s nothing you that can’t be sung... Nowhere you can be, that isn’t where you’re meant to be». All you need is love, evidentemente, numa quase reactualização do dito de Santo Agostinho: «Ama e faz o que quiseres». Mas a facilidade de real individuação, de afirmação de verdadeira individualidade, é aparente, como não deixa de lembrar, uma vez mais John Lennon, em «Strawberry Field Forever»: «Living is easy with eyes closed / Misunderstaning all you see / It’s getting hard to be someone...».
Muito se especulou dever-se esta fase dos Beatles, especialmente o «Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band» e o «Magical Mystery Tour», à experiência psicadélica, iniciada com um encontro com Bob Dylan em que este lhes terá aberto a mente para a marijuana, passando mais tarde, após a leitura do livro, «A Experiência Psicadélica: Um Manual Baseado no Livro Tibetano dos Mortos», do não menos famoso Tomothy Leary, à LSD, tal como se entendia ser disso mesmo subtil confissão e testemunho, «Lucy in the Sky with Diamands».
Não se afigura que o acentuado sentido da individualidade se deva a tais experiências, tanto porque, como verdadeiros artistas, impossível seria assim não ser, como porque esse mesmo sentido se encontra já bem vincado desde início, como testemunha o seriíssimo «Nowhere Man», de «Rubber Soul», ou ainda o belíssimo, «Eleanor Rigby» («where all the lonely people come from»), do revolucionário Revolver, embora numa perspectiva de raciocínio bastardo, se assim se pode dizer, ou demonstração por absurdo.
Fosse como fosse, não nos podemos esquecer que estávamos nos anos 60, nos anos do existencialismo, nos anos da fúria do valor de «tudo experienciar acima de tudo». A experiência com as drogas ter-lhes-ão, com certeza, «libertado» a mente e acentuado também a busca de um aprofundamento espiritual, busca e procura vinda igualmente desde início mas agora ainda mais constante, mais urgente, para usar uma expressão muito da época, mesmo que seguindo os menos ortodoxos caminhos, se necessário, como o tom exótico, obcecante e hipnótico de «Within You Without You», de George Harrison, repleto de cítara e envolto em oriental deslumbre e encantamento, atesta, sublinhando bem: «People who gain the world but lose their soul / they don’t know; they don’t see», ou ainda, o mais tardio «Inner Light», também de Harrison. Por outras palavras, não obstante todas e as mais diversas experiências, os Beatles nunca perderam o sentido da realidade, se assim se pode dizer, mesmo quando tal poderia parecer suceder.
George Harrison, inclusive, sabia bem a que descaminhos uma errada procura de espiritualidade por via psicotrópica poderia conduzir. Como relatou mais tarde, numa das suas visitas a S. Francisco, passeando em Haight-Ashbury, não encontrou qualquer grupo de exploradores hippies de uma nova espiritualidade mas, tão só e simplesmente, bandos de jovens, sem casa, completamente viciados, puros viciados, sem qualquer outro pensamento que não o de um contínuo consumo sem qualquer sentido nem elevação.
John Lennon, podia escrever o magnífico e muito estudadamente absurdo «I Am the Walrus», meio surrealista, meio completamente louco, mas também de uma estranha lucidez, entre o puro místico e o puro luciferino, é certo, mas, ainda assim, de uma inegável lucidez. E para além disso, mesmo a experiência indiana com Maharishi Mahesh Yogi, terminando como terminou, ou seja, nada bem, como relatado em «Sexy Sadie», não seria uma experiência totalmente em vão.
Quem possui um verdadeiro sentido da individualidade e autenticidade, um sentido de busca de verdadeira espiritualidade e liberdade, não se deixa trair facilmente, e os Beatles tinham tudo isso. Uns mais acentuadamente que outros, em alguns desses aspectos, é certo, mas igualmente válido para todos no seu conjunto, tal como os dois álbuns seguintes aos devaneios mais psicadélicos de Sgt. Peppers e Magical Mystery Tour, o White Álbum e, sobretudo, o magnífico mas também sempre algo subvalorizado Abbey Road, vieram provar.
De qualquer modo, o terceiro elemento, ou aspecto, decisivo que gostaríamos de destacar, foi, como referido, o apurado sentido de liberdade que sempre manifestaram desde início e que permeia toda a sua discografia. Liberdade artística, antes de mais, com certeza, mas também liberdade num sentido mais político, tendendo, por vezes ou quase sempre até, para um plano mais revolucionário, mesmo no estrito sentido político, mas nunca num sentido marxista, i.e., nunca aceitando a necessidade de uma revolução violenta para mudar o mundo, como o próprio tema «Revolution» deixa bem explícito. A revolução, a mudança do mundo, só poderia, só poderá, advir pelo despertar das mentes e pelo amor. O Amor que está adormecido, como diz ainda George Harrison naquela que é uma das composições mais admiráveis de toda a discografia dos Beatles, «While My Guitar Gently Weeps», e que constitui, como alguém também afirmou, «a mais promissora cura para o egoísmo e desespero em que a humanidade se encontra, na actualidade, submergida».
Claro, sobre os Beatles podíamos fazer «posts» ou «postais» e «postais», eventualmente criar até um Blogue exclusivo como, certamente, não deixará já de haver. Mas tudo isto, toda esta rememoração, veio a propósito de um livro publicado em finais de 2007 em língua portuguesa, numa edição brasileira da Madras, e originalmente em 2006, exactamente intitulado, «Beatles and the Philosophy», em edição da Open Court Publishing. Uma obra colectiva onde se congrega os vários contributos de outros tantos eminentes professores de filosofia, religião e demais disciplinas, de várias Universidades dos Estados Unidos.
É uma obra séria que vale realmente a pena ser lida. Não apenas para mostrar, pelas aproximações heideggerianas, sartrianas, wittgensteinianas, hegelianas, entre outros devaneios, até mesmo aristolélicas, como os Beatles foram tão sábios como nem eles alguma vez suspeitaram, mas, acima de tudo, para retornarmos, por momentos, a esses míticos e simbólicos anos 60, anos em que o mundo, de facto mudou, anos de todos os excessos mas também anos em que tudo parecia, de facto, possível, ao alcance do sonho, e em que um mais fundo sentido de Individualidade, Liberdade e busca de uma real Espiritualidade, em síntese, busca também de uma verdadeira Autenticidade, ficaram a marcar, definitivamente, a nossa época.
Importa não esquecer no entanto que os Beatles, se tiveram a importância que tiveram, foi acima de tudo e antes de mais, por terem sido, mais do que filósofos, como no livro se defenda, com sobriedade, a verdade seja dita, extraordinários músicos, inovando, rasgando e expandindo, sem limites e de modo inimaginável, os cânones, formas e possibilidades da designada música popular. Os Beatles não surgiram de geração espontânea, os anos 50 tendo visto já o aparecimento do Rytm’n’Blues e do Rack’n’Roll com os Chuck Berry, Elvis, os Jerry Lee Lewis e, acima de todos e mais proximamente, até de um Eddie Cochran, entre tantos e tantos outros notáveis, para além, é evidente, de movimentos como o da Beat Generation, de Kerouac a Ginsberg e Burroughs, para mais não citar. Mas os Beatles, desde início, afirmaram uma singularidade, uma individualidade, uma força únicas, e, claro, são os autores tanto do experimental «Tomorrow Never Knows» quanto do fabuloso, «A Day in the Life», uma das músicas mais perfeitas de sempre, onde música e letra se conjugam de modo supremo. Quase casualmente, o tema abre com uns acordes de guitarra acústica, logo depois, entra, forte, o piano, a marcar a tensão em contido crescendo: «I read the news today oh boy / About a lucky man who made the grade / And though the news was rather sad / Well I just had to laugh / I saw the photograph / He blew his mind out in a car / He didn't notice that the lights had changed / A crowd of people stood and stared / They'd seen his face before /Nobody was really sure / If he was from the House of Lords. / I saw a film today oh boy / The English Army had just won the war / A crowd of people turned away / But I just had to look / Having read the book. / I'd love to turn you on ... ». John Lennon soletra a vida, a pressão da actualidade mas, não obstante a tão íntima proximidade de tudo e, o grande alheamento. E depois, a orquestra, em uníssono crescendo caótico, numa sobretensão de nervos a estilhaçarem-se e, abruptamente, em mudança de plano, entra Paul, sincopado, num despertar activo, ofegante: «Woke up, fell out of bed, / Dragged a comb across my head / Found my way downstairs and drank a cup, /And looking up I noticed I was late. / Found my coat and grabbed my hat / Made the bus in seconds flat / Found my way upstairs and had a smoke, / And somebody spoke and I went into a dream». E retorna o tema inicial _ vidas, aparentemente sem sentido: « read the news today oh boy / Four thousand holes in / Blackburn, Lancashire / And though the holes were rather small /They had to count them all / Now they know how many holes it takes / To fill the Albert Hall. / I'd love to turn you on». Síntese perfeita. Como sempre, o apelo a despertar. A Luz não reside no bulício do dia-a-dia, embora, para as almas verídicas e despertas, tudo possa ser tão simples como o mais simples da via, «Here Comes de Sun», ou «Something», mesmo quando não sabemos bem o que seja isso que nos «move».
Entretanto chegavam os anos 70. Altamont e Woodstock marcavam o fim de uma época de inocência e os próprios Beatles colocavam um ponto final na sua carreira, prosseguindo, cada um , a sua via.
Paul McCartney, o talentoso melodista, a quem os Beatles devem alguns dos seu maiores êxitos, de «Yesterday» e «Michele» a «Hey Jude» e «Let it Be», foi muito feliz, formou, depois de um razoável primeiro álbum a solo, os Wings, com a sua Linda, voltou às muitas digressões, encharcou-se de novo em êxito e dinheiro, mas nada de realmente significativo sobreveio aos idos dias.
De Ringo Star ninguém esperava muito. Ainda teve um êxito assinalável, e merecido, com o single «It Don’t Come Easy», mas, a aprtir daí, não obstante continuar a gravar, de quando em vez, ao longo dos anos, vários álbuns, significativa memória não se regista também.
George Harrison, desde sempre o mais inquieto e sério no sentido espiritual, produziu, ainda em 1970, um fabuloso triplo álbum, «All Things Must Pass», onde se encontra, para além de clássicos como o «My Sweet Lord», um brilhante «Beware of Darkness». De todos, George sempre foi o mais virtuoso, a quem os Beatles devem, devem, de facto, alguns dos seus melhores e mais extraordinários temas, embora, por características pessoais e posição no grupo, sempre haja mantido uma atitude mais discreta e menos proeminente. Foi quem inaugurou também, pelas melhores razões, a moda dos Concertos de Beneficência, com o triplo «Concert for Bangladesh», para ajudar esse longínquo país arrasado por mais uma inundação devastadora, juntando amigos como Ravi Shankar, Bob Dylan, Eric Clapton e um sempre surpreendente Leon Russel que viria a marcar a data com uma assombrosa interpretação do «Jumping Jack Flash» dos Stones. Depois, continuou a produzir bons álbuns e belíssimas canções, como «Faster», mas sem todavia voltar a conseguir realmente alcançar o brilho único e o magistral fulgor inicial de «All Things Must Pass».
John Lennon, o génio irrequieto que mais terá contribuído para que os Beatles viessem a ser os Beatles que todos temos na memória e imaginação, começou uma nova vida perdendo-se, antes de mais, em alguns uns devaneios com a sua Yoko mas, cedo, acabaria por editar dois extraordinários álbuns, «John Lennon and Plastic Ono Band» e «Imagine». Depois os tempos tornaram-se irregulares, a vida atribulada, chegando a tirar uma licença sabática durante alguns anos e, quando regressou, pouco antes de ser assassinado, não deixando de ser o John Lennon mas o daimon estava apaziguado. No entanto, é ainda a John Lennon que devemos o fecho dos anos 60, com uma das suas mais belas e comoventes canções, «God», onde o primeiro verso reza exactamente assim: «God is a concept by wich we measure our pain», seguindo-se a famosa litania do « I don't believe in magic / I don't believe in I-ching / I don't believe in Bible / I don't believe in Tarot / I don't believe in Hitler / I don't believe in Jesus / I don't believe in Kennedy / I don't believe in Buddha / I don't believe in Mantra / I don't believe in Gita / I don't believe in Yoga / I don't believe in Kings / I don't believe in Elvis / I don't believe in Zimmerman / I don't believe in Beatles / / I just believe in me...and that reality». Não, não era exactamente solipsismo mas talvez apenas o receio sempre latente e bem presente, da facilidade da comum troca da individualidade, da verdadeira individualidade, pela segurança, refúgio e aconchego no descanso à sombra de um qualquer líder, numa ilusão de falsa participação mística numa qualquer multidão vaga, anónima e completamente amorfa; e talvez também a mais lúcida e perfeita consciência da inexorável «passagem das horas»: «The dream is over / What can I say? / the Dream is Over / Yesterday / I was the Dreamweaver / But now I'm reborn / I was the Walrus / But now I'm John / and so dear friends / you'll just have to carry on / The Dream is over».
O sonho terminara, os anos 60 eram passado, nada voltaria a poder ser como tinha sido, não havia senão que seguir, cada um, o seu próprio caminho; trilhando, cada um, as suas próprias vias; carregando, cada um, a sua própria cruz. John Lennon dixit. Bem, não exactamente assim mas, por certo, exactamente com este sentido.
E, é claro, é difícil, impossível, falar dos anos 60 e dos Beatles sem uma breve referência, por mais ligeira que seja, da sua contraparte, os Rolling Stones. Enquanto uns faziam dos meninos maus das boas famílias, a quem as mães não entregavam sequer as filhas para irem comer um gelado à esquina do fim da rua, os Stones, os Beatles chegaram a ser um pouco como os meninos bons das más famílias a quem as mães viviam na ânsia de entregarem a mão das suas filhas em casamento.
Os Stones não tinham o talento dos Beatles, é certo, mas escreveram também um dos hinos da década, «I Can’t Get No Staisfaction» e, depois do «Get Ya Yars-Out», sempre mereceram bem o epíteto, tal como sempre são apresentados em palco, «The Best Rock’n’Roll Band in the World».
Aos Rolling Stones deve-se ainda um dos mais perfeitos documentos do ambiente vivido na segunda metade dos anos 60, o projecto «Rock and Roll Circus», onde juntavam desde os Jethro Tull, os Who e Taj Mahal até aos Dirty Mac, uma banda «ad hoc», se podemos dizer, composta por John Lennon, Eric Clapton (na altura ainda nos Cream), Keith Richards (Stones) e Mitch Mitchel (da Jimy Hendrix Experience), além, claro, da «Beautiful Miss Marianne Faithfull.
Os Rolling Stones sempre foram (quase sempre, pelo menos) um Grupo de puro, do mais puro, Rock’n’Roll, sendo-o, como cumpre, com muito Blues à mistura também. Todavia, para se perceber bem as diferenças entre Beatles e Stones, não resistimos também a relembrar aqui, não o maldito «Sympathy for the Devil», hoje que é «musicalmente correcto» admirar como supremo, mas o fabuloso, o mavioso, insidiosamente envolvente e felino «Stray Cat Blues», onde o típico irónico cinismo tão característico de Jagger-Richards é uma impressionante constante de princípio a fim: «I can see that you're fifteen years old/No I don't want your I.D./And I can see that you're so far from home/But it's no hanging matter/It's no capital crime/Oh yeah, you're a strange stray cat/Oh yeah, don'tcha scratch like that/Oh yeah, you're a strange stray cat/I bet, bet your mama don't know you scream like that/I bet your mother don't know you can spit like that». Basta ouvir para perceber quanto levaria muitas linhas a explicar. Outro universo. Os muitos fabulosos universos dos anos 60 que fazem dessa década, na realidade, a mais extraordinária e decisiva década do século XX, até hoje.
M.Antonioni, Blow-Up, 1966
Post Sciptum
It’s All Over Now Baby Blue
No Newport Folk Festival de 1966, quando Bob Dylan surgiu de guitarra eléctrica em punho, foi apupado e quase linchado. Valeu-lhe a amizade de Peter Seeger para regressar mais tarde ao palco, empunhando já tão somente a sua velha viola acústica e a inseparável harmónica, para interpretar, em despedida, «It’s All Over Now Baby Blue».
Convidado há um ano para fazer parte deste Geração de 60, apesar de me encontrar na tangente, do lado de fora, e dadas as fracas disponibilidades de tempo, por razões de ordem profissional, perante a estima pessoal e o reconhecimento intelectual de quem insistia na minha colaboração, acabei por aceitar de corpo e alma, o desafio, tanto quanto corpo e alma permitiam. Aceitei porque, «filho» dos anos 60, tenho como maior orgulho ser Português e, como tal, não poder deixar de participar, de algum modo, daquela que é uma das mais admiráveis entre as mais admiráveis, iluminantes e fecundas tradições de civilização de que há memória em toda a História do Mundo, desde os mais remotos tempos. Por isso, também, a mágoa de não ter tido o «engenho» para dar mais fundo testemunho disso mesmo, não me restando sequer a consolação de, aqui, poder invocar o nosso Pessoa quando escrevia, evocando D. Duarte, o nosso Rei-Filósofo, «Cumpri contra o Destino cumpri o meu dever / Inutilmente? Não, porque o cumpri», por, em rigor, verificar, tristemente, quanto por dever ter assumido, cumprir não ter sabido.
Agora é tempo de despedida. Sem pateada e sem o talento musical do grande Dylan, vedado se me encontra a possibilidade de poder despedir-me com um qualquer «It's All Over Now Baby Blue». Todavia, creio não quadrar mal se me despedir, muito à anos 60, com «Turn! Turn! Turn!», na versão dos sempre igualmente magníficos Byrds, do velhinho Folk Singer de Protesto, Pete Seeger (um tema curiosamente surgido quando o editor, talvez cansado do pouco êxito alcançado, lhe pediu para escrever algo menos «protestante», algo que pudesse passar nas estações emissoras de rádio, sobrevindo-lhe a inspiração com base no Eclesiastes).
Tudo tem o seu tempo, de facto. Há um tempo para começar e um tempo para partir, em boa verdade, «A time for every purpose, under heaven».
6 comentários:
Excelente
Pena deixar este blog,onde podemos continuar a lê-lo?
L.P.
A sua saida desequilibra o blog. Por isso não o pode deixar. Simplesmente isso.
parabéns pelo post, tem todos os links com as melhores músicas
fantástico, entramos mesmo na geraçao de 60, música, imagens e um texto fabuloso. Mas mais fantástico ainda é uma geração de 60,com 17 membros e só um vem dizer para ficar, fez bem em sair Gonçalo...
onde vai passar a escrever?
Caro Gonçalo,
Li bem? O Gonçalo não pode sair. Sem desprimor para os outros caríssimos bloggers, que tenho a certeza me compreenderão, com quem é que agora vamos discutir Deus, a culpa e a redenção, o “ama e faz o que quiseres” de Santo Agostinho?
Gostei muito do seu “post” elegíaco – que estranha associação, a do lirismo moderadamente libertário dos Beatles, com a secura abstracta e despojada desse pintor da doença dos sentimentos que foi o Antonioni.
Se for verdade – e espero que o Gonçalo volte ao palco – lembro-lhe o que o Bob Dylan disse um dia: “My life is the street where I walk”. O “Geração de 60” já é um bocadinho da sua estrada. Walk the walk!
Um abraço
Tão inesperados e surpreendentes comentários obrigam-me a quebrar, por uma última e derradeira vez, o silêncio a decidi remeter-me, apenas para dar nota do meu reconhecimento pelas palavras de L.P., Pedro Lains, João Vieira Mello, Helena Santos e Manuel S. Lourenço, perdão, Fonseca.
Como dizia o José Régio, «o mundo é vasto mas repete-se e é fácil esgotá-lo». O mundo é pequeno, na verdade, e Portugal, nesse estrito âmbito, uma quase aldeia. Ou seja, neste momento não faço ideia se voltarei a escrever e onde. No entanto, se o fizer só espero é poder ter a honra de contar com tão generosos e benevolentes leitores.
Com um abraço de reconhecido agradecimento,
Gonçalo Magalhães Collaço
P.S.
Caro Manuel: o Dylan é também uma espécie de Pessoa, longe vá a blasfémia, para a nossa geração de 60 _ ele sempre há uma brilhante citação a ajeitarmos ao nosso gosto ou interesse. Assim, por piada, podia-lhe também deixar aqui um último link para o «you go your way and I go mine».
Que sabemos nós do destino? Não haveremos nós de outras oportunidades termos para continuar a debater alegre e furiosamente tudo isso e quanto mais à conversa, mesmo quanto inopinadamente seja, vier?
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