De philosophia
Muito se tem aqui falado, nalguns dos últimos posts, sobre filosofia. Ora, sendo eu formado em filosofia (não confundir com informado em filosofia), senti-me finalmente na obrigação de dizer alguma coisa sobre o assunto, que resumirei em muito breves pontos.
1. Começo por esclarecer que não pretendo aqui dizer o que entendo por filosofia. Embora tenha já algum pensamento consistentemente elaborado sobre o tema – o qual será, aliás, este ano publicado pela Imprensa Nacional no âmbito de um escrito mais vasto dedicado a Francisco Suárez –, não consegui resumi-lo em menos de trinta páginas. Dizendo isto, quero que saibam duas coisas: a primeira, que o que brevemente se seguirá se inscreve em caminhos mais amplos; a segunda, e para quem tal possa interessar, que em filosofia sou suareziano.
2. Afirmar-me seguidor de Francisco Suárez, porém, não é afirmar que a sua filosofia é verdadeira e as outras são falsas. Em rigor, não há filosofias falsas. Afirmar-me suareziano é reconhecer que, dadas as minhas próprias circunstâncias, o pensamento de Francisco Suárez se constitui para mim como um acesso privilegiado ao ser. E este é o primeiro equívoco que gostaria de prevenir: a filosofia é primordialmente um acercamento do ser! A questão da verdade é posterior, tanto de um ponto de vista ontológico, como de um ponto de vista gnoseológico. Não cabendo aqui o desenvolvimento deste ponto, valha a citação de São Tomás, que, justamente no De veritate, diz que «a verdade se funda no ser.»
3. O segundo ponto que quero notar é que, apesar deste “acercamento do ser” ser de algum modo comum a todos os homens, tal não significa que todos os homens sejam filósofos. Dizendo de outro modo: a filosofia é natural ao homem, mas o homem não filosofa naturalmente. Ao contrário, a filosofia é uma ciência que implica uma aplicação metódica e continuada da mente sobre o seu objecto próprio, o qual, na expressão de Suárez nas Disputationes metaphysicae, é o "ente real", isto é, o ser tomado na sua máxima universalidade e contracção.
4. Esta absoluta universalidade do seu objecto, presente em todos os entes que são ou que podem ser, faz com que a filosofia não seja uma ciência como as outras. Na verdade, a máxima abstracção do seu objecto adequado implica que o sujeito que conhece não possa ser excluído do seu próprio conhecimento, pelo que a filosofia não pode ter o carácter objectivo próprio das restantes ciências. Daqui resulta o terceiro aspecto que quero notar: a filosofia não serve objectivamente para nada. Por isso devemos estar sempre atentos aos gritos daqueles que, como Marx, pretendem que tudo já foi dito, pelo que à filosofia cabe agora a tarefa de transformar o mundo. Não! A filosofia não é solução para os problemas do mundo, porquanto o ser, considerado na sua totalidade, não é objectivamente redutível à condição de coisa, pois que transporta sempre consigo a intenção daquele que na própria realidade se questiona.
5. Dizer que a filosofia não serve objectivamente para nada, porém, não equivale a dizer que ela é absolutamente inútil. Ao contrário, como diziam os escolásticos, ela é muito útil para o "perfeccionamento da mente" (nela considerados o intelecto e a vontade). E é por isso que a filosofia, para além de ciência, é também sabedoria, permitindo àquele que filosoficamente se questiona no seio da realidade descobrir o seu sentido e dar razão desse sentido. Daí que se lhe venha chamando, desde os gregos, “amor da sabedoria”, ainda que tal amor e tal sabedoria – insisto – não sirvam para nada no quotidiano mundo das coisas.
6. Dizer que a filosofia não pode nem deve servir para transformar o mundo, por último, não é o mesmo que dizer que ela não é importante também para o próprio mundo (contra aqueles qu a pretendem importante apenas de um ponto de vista pessoal). Ao contrário, julgo-a, neste sentido, importantíssima, enquanto aproximação à realidade sem a qual não é possível estabelecer qualquer relação verdadeira entre a inspiração divina própria dos sábios e a observação das coisas própria dos cientistas. Dito de um outro modo, a filosofia é o saber que, captando o ser no seu vir a ser, descobre o sentido que liga o espírito e a matéria, assim permitindo a relação entre os saberes religioso e científico, que com ela constituem as três formas autónomas da razão humana conhecer a realidade.
Para acabar, e ainda que o corrector ortográfico instalado no meu computador insista em trocar gnoseológico por ginecológico, espero sinceramente que estas breves linhas possam ajudar a esclarecer todos aqueles que, como eu, desejam filosofar, aos quais deixo agora todo o espaço para pensar.
7 comentários:
que seca de artigo
"ora sendo eu formado em filosofia,(não confundir com informado em filosofia)" que coisa mais ridícula Dr Moita....
"Senti-me finalmente na obrigação de dizer alguma coisa sobre o assunto".
DR Moita , por favor não se sinta obrigado.
Esta mistura de vazio e fel, sendo muito desagradável, é sobretudo reveladora. Não há uma crítica substantiva, uma discordância objectiva. Há remoques e visível ressabiamento. Que pena imensa. E que pena que o anonimato cubra tamanha pequenez.
Pois eu, por mim, gostei muito. Gosto sempre de ler quem pensa.
Ó seu bruto!! Então põe-se a escrever coisas que fazem pensar!! Que o Dr. Moita andou a fazer isso por outros sitios já é mau, mas agora fazer isso num blogue!?! Ó homem escreva coisas clarinhas...olhe sobre a bola, gajas...euhhh...carros e porrada...porrada é bom!
Independentemente da qualidade da exposição do artigo, que considero boa, não partilho a sua opinião relativamente a este tema. Enquanto formado em Filosofia (e não informado), considero fundamental pensar que o século XX está dividido entre duas tendências - a Filosofia Continental e a Filosofia Anlítica. Em ambas as tradições são apresentadas boas teorias. No entanto, parece-me que a Filosofia Analítica em geral é mais séria e rigorosa.
Não concordo 1) que não há filosofias erradas e 2) que a filosofia não tem nenhuma função. Relativamente a 2), a filosofia tem como objectivo analisar os vários conceitos existentes: científicos, epistemológicos, éticos, políticos, etc. De um modo mais objectivo, tem como fim poder dar-nos uma concepção racional da realidade. Por exemplo, em termos éticos, a filosofia pode mostrar-nos quais são as boas razões para acreditar que devemos respeitar os direitos humanos ou por que devemos ser socialistas, ou libertários, ou liberais, etc. Ora, se o objectivo da filosofia é este, apresentar-nos argumentos para que algo seja verdadeiro ou falso, então há filosofias falsas. Não é concebível nem aceitável que eu possa dizer, a nível científico que a lei da relatividade é verdadeira e falsa. O mesmo se pode dizer quanto à Democracia. Se uma Filosofia afirma que a democracia é o melhor sistema político e outra afirma que a ditadura é melhor, as duas não podem ser verdadeiras.
Por fim, a frase de Marx não me parece ter qualquer sentido: o filósofo não tem que mudar o mundo, tem, sim, que saber percepcioná-lo da melhor forma.
Luís Rodrigues
Três respostas muito breves.
A primeira para a Sofia, agradecendo as palavras e, sobretudo, a amizade, tão importante num mundo povoado de ódios tão mesquinhos.
A segunda para "agrandealface", a quem, agradecendo as sugestões, afirmo a minha esperança de aqui brevemente poder vir falar de uma qualquer vitória do Sporting.
Por último ao Luís Rodrigues, do "agorasocial", agradecendo também o comentário e respondendo (sumariamente) às objecções.
Não concordamos, de facto, quando diz que "o objectivo da filosofia é apresentar-nos argumentos para que algo seja verdadeiro ou falso." Como no meu texto disse, penso que a filosofia é fundamentalmente um acercamento do ser, o qual, de um ponto de vista ontológico, é transcendentalmente verdadeiro, ainda que a questão da verdade lhe seja, ao menos do ponto de vista da essência, posterior. É nesse sentido que digo que não há filosofias falsas, porquanto tal equivaleria a dizer ser possível um acercamento do-não ser.
Quanto à sua segunda objecção julgo estarmos, ao menos no princípio, de acordo, porquanto eu não pretendo que a filosofia não tenha nenhuma função. O que digo é que essa função é o perfeccionamento interior da mente, do qual não resulta nada que seja objectivamente mensurável. Daqui resultam, aliás, tanto a grandeza como a miséria da filosofia (sobre a frase de Marx, aproveitando a deixa, estamos obviamente de acordo, como já no post ficara claro).
Esta inoperacionalidade objectiva da filosofia, por último, não implica - como também defendo - a sua total inutilidade para o mundo exterior, ou das coisas, ainda que a influência que a filosofia aí pode e deve exercer se inscreva no quadro de um poder indirecto, próximo do que era defendido por Francisco Suárez e por Roberto Belarmino.
Seja como for, e naquilo que é essencial, se discordamos é porque falamos em torno do mesmo, ainda que com as diferenças que nos são próprias. Não há, portanto, filosofias falsas, apesar de, como é evidente, muitas vezes nos enganarmos no caminho. Daí que a humildade seja talvez o companheiro mais precioso das nossas viagens. Acredite que, antes de escrever, rezo sempre pedindo para que ela venha comigo. Acredite também que, justamente por isso, lhe agradeço sinceramente o comentário.
Um abraço para todos.
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