Voltaste, Guterres, Tão Cedo e Sem Estar Perdoado
Ontem, num Telejornal sem som, vi uma imagem do locutor com um mapa de Lisboa, tirado do Google Earth, com sete riscos desenhados sobre o rio Tejo. Depois vi um rol de engenheiros, cada um com o seu penteado, e adivinhei que estivessem a defender os vários riscos. Só vi verdadeiramente três. Dois estavam felizes e eufóricos e outro estava muito triste. O que se passava? Era, claro, um momento alto da governação por consenso, guiada pela opinião pública.
A Ordem dos Engenheiros, graças ao episódio do novo aeroporto de Lisboa, tem agora o direito de se pronunciar sobre tudo o que é obra pública e o resultado estava à vista nessa imagem. Mas isto é pouco.
Afinal, as obras públicas também afectam a economia. Por isso, devia haver igualmente um debate na Ordem dos Economistas sobre várias alternativas. Seguia-se a Ordem dos Arquitectos, por causa do impacto visual, e a Ordem dos Advogados, pois há vários modelos de financiamento e de contratualização (e no momento actual esta Ordem também está perita em corrupção). Naturalmente a Ordem dos Médicos também quererá dizer algo, uma vez que o Serviço Nacional de Saúde tem de se ajustar às novas “acessibilidades”.
De todo este processo pode eventualmente resultar que não haja um projecto ganhador (como aliás aconteceu com o novo aeroporto para o qual, como todos hoje já perceberam, houve um empate técnico). Mas isso não levanta nenhum problema, pois o Tejo tem ainda espaço para a construção de várias pontes.
Trata-se de uma caricatura? Não, infelizmente, não. Foi precisamente um processo de decisão deste tipo que levou António Guterres a construir 10 estádios de futebol - e não três ou quatro - para o campeonato europeu de 2004. Nessa altura, o esquema não foi tão visível, pois as pressões foram locais e por isso não ascenderam aos principais órgãos de comunicação social (como se dizia dantes).
Vivemos num país que ainda mostra frequentemente os traumas da Ditadura. Um desses traumas leva a que não se possa criticar os media, pois isso é logo conotado com a vontade de os querer silenciar num acto de fascismo. E é verdade que é preciso ter cuidado com isso pois este é um caso claro em que mais vale mau jornalismo do que jornalismo regulamentado por fora. Mas dizer isto não significa dizer que não se pode pôr em causa a acção dos media.
Os jornais, os colunistas e a televisão têm de facto um impacto no tipo de governação do País. Se assim é, então eles têm de sentir-se obrigados a ter uma acção coerente e consequente. Não basta mandar bocas e escrever manchetes. É preciso mais.
Há uns tempos atrás, o Pedro Norton lembrou aqui que os jornais anglo-saxónicos têm por tradição assumir posições claras relativamente a determinadas opções políticas. Neles se podem ver declarações editoriais a favor de um determinado candidato, a favor da retirada das tropas do Iraque, a favor da manutenção das taxas de juro. Ou a favor do contrário de tudo disso. Ao tomarem essas posições, os responsáveis são obrigados a apresentarem os seus argumentos, os quais são ou não rebatidos pelos governos ou por quem manda, e o comum dos cidadãos elege as suas opções.
Aqui não se viu ninguém a dizer que era a favor do aeroporto de Alcochete. Apenas se viram manchetes a dizer que haveria uma poupança de milhares de milhares de Euros (afinal foram só centenas de milhar) ou fotos de ministros com setas para baixo. Ou, agora, que a ponte Z é a melhor de todas. Isto significa que apenas se levantou a ideia de que o Governo não pode decidir sem um grande debate público, mesmo que isso leve a uma decisão pior.
Bem, claro que a culpa nunca é do mensageiro. É sempre dos governos que, coitados, querem apenas ganhar eleições. Ou melhor, a culpa é de todos os governos do período da Democracia, com a enorme excepção de alguns anos de ouro dos consulados de Cavaco Silva que já ficaram na História. Assim como a sua célebre frase de que não lia jornais.
Este problema é mais vasto pois também nenhum jornal disse: somos a favor da eleição do Dr. X para o Banco Y e queremos a demissão do Governador do Banco de Portugal.
4 comentários:
Caro Pedro,
Há um problema com a tua sugestão de transparência editorial dos jornais: tu assumes que os jornais têm uma posição sobre a ponte (como sobre o aeroporto) e que a estão esconder; a mim parece-me mais que têm uma opinião diferente todos os dias... Os jornais até poderiam ajudar a uma deliberação pública mais abrangente e informada. O problema é que eles parecem mais preocupados em expor as divergências e os problemas com qualquer uma das soluções do que informar racionalmente e comparativamente sobre elas. É quase como se vivessemos dominados pela inveja decorrente de alguma dessas posições ganhar vantagem. No dia seguinte a que uma das opções aparece como "vencedora" surge uma artigo a apresentar todas as suas desvantagens (mesmo que o mesmo jornal, no dia anterior, tenho promovido essa solução por oposição a outra...). Vivemos num mundo de alternativas imperfeitas e parece que não há quem se recorde disso... dito isto, não tenho ideia de qual solução é melhor, nem poderia ter!
Bem visto! Tens toda a razão. E é por isso que os jornais só se devem pronunciar sobre políticos ou políticas gerais e não sobre projectos. Assim como os cidadãos, porventura. No resto, os jornais têm de ser equilibrados. Apetece acrescentar que acho que em geral há esse equilíbrio e que não estamos num mundo negro.
Caros Pedro e Miguel,
Algumas breves notas sobre os vossos post e comentários:
1 - Sou um defensor da ideia dos jornais assumirem claramente uma linha editorial mais vincada e transparente. Acho que devem assumir a sua inclinação política, devem fazer «endorsments», devem ter opinião sobre as grandes questões ideológicas.
2 - Dito isto, acho que não é função dos jornais terem uma posição «oficial» sobre tudo e mais alguma coisa. No caso em apreço, não me parece que um jornal deva ter uma posição sobre a localização de um aeroporto ou de uma ponte.
3 - É bom não esquecer que, não obstante o que ficou dito em 1, os jornais devem ser antes de mais peças fundamentais de um «marketplace of ideas» tão ao gosto das democracias liberais. Não vejo mal nenhum em que se abram ao contraditório, exprimam e dêm voz a opiniões diferentes, incompatíveis e até imperfeitas. Cada um por si ou no seu conjunto. Os jornais não têm, necessariamente, de ser o espaço de «decisão» sobre o aeroporto ou a ponte. Para que cumpram a sua função basta que se abram ao debate sobre essas questões de forma tão profissional quanto possível. Não são os jornais que devem ser responsabilizados sobre os processos de decisão. O espaço deles não é, definitivamente, esse. E se o poder político se deixa condicionar demasiado pelo debate (ou pelas agendas quando as há) dos jornais isso diz mais sobre o poder politico que temos do que sobre os jornais que temos.
4 - Dito isto, existe - como é óbvio - muito mau jornalismo. Fraco, displicente, impreparado e até pouco sério. Cabe-nos a nós, cidadãos leitores e espectadores, separar o trigo do joio. Recusar as propostas jornalisticas menos sérias, mais superficiais, menos profissionais. Até porque não há nada mais dramático para um jornal ou para uma televisão do que perder um leitor ou um espectador. Não é por acaso que há jornais que duram dezenas de anos e que há outros que se ficam pelo caminho.
Caro Pedro,
Ver "penteados" e "riscos" numa mesma frase fez-me lembrar - ainda que a completo despropósito - uma "graçola" que o meu Pai repetia quando eu era pequeno e que não resisto a partilhar consigo. Reza assim: "Eram dois irmãos. O do meio era careca, pediu ao Pai um pente para se pentear e o Pai deu-lhe um lápiz para fazer a risca". A falta de qualquer nexo ainda hoje me faz rir.
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