quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

III. Curtius, European Literature and the Latin Middle Ages, Princeton / Boellingen Paperbacks

É evidente que se podem estudar continuidades, pode-se mesmo aceitar que elas existem, mas em nome dessa busca da continuidade perder um tempo imenso a estudar mediocridades. É evidente que mais dificilmente se encontra um filão de continuidade nação por nação nas línguas vernáculas. Mas estas duas evidências não têm o significado que se lhes poderia atribuir. É que quando analisamos a fileira da continuidade da literatura neolatina verificamos que se encontram obras de grandeza em todas as épocas. E que se não se encontram em todas as épocas em todos os países isso resulta de falarmos de um espaço bem mais vasto de escolha. Podemos ser bem mais exigentes.

Reconheçamos que se fizermos um panorama da literatura europeia em língua vernácula não perderíamos muito tempo com a “Morgadinha dos canaviais”. O facto de os espaços geográficos serem mais curtos dá relevância a obras e autores que nunca a teriam em horizontes bem mais vastos. Um autor nacional adorado pode ser uma figura menor em termos europeus.

No que respeita ao latim, a sua importância não pode nunca ser descurada. Até à primeira metade do século XX ainda era comum as teses de doutoramento serem feitas nesta língua, sobretudo no Norte da Europa. Vejo muitas pessoas fugirem para a História contemporânea, julgando assim que se livram do latim, esquecendo que uma boa parte da produção cultural ainda se lhes escapa por ignorância da língua.

O latim não é uma língua qualquer. É a língua que mais carregou a cultura europeia. Os protestantes largam Roma, mas não o latim, os seu autores clássicos, ou a literatura neolatina.

Assim como noutras áreas verificamos continuidades na Europa também na língua as encontramos. A nobreza russa quando se ocidentaliza aprende o latim.

A análise de Curtius, como todas a macro análises, permite chegar a conclusões que assustam os suburbanos. Em vez das categorias banais de barroco, classicismo, românico e assim por diante, constrói com base em categorias retóricas muito vastas conceitos de síntese da cultura europeia.

É um renovador da retórica, que teve tanta importância a partir da segunda metade do século XX. É aliás significativo que esta renasça nesta época. Num mundo que se vê estilhaçado após guerras mundiais, desconfiando de grandes sistemas, a retórica passa a assumir um papel cada vez mais relevante, não como plano de acção, como era no mundo antigo, mas antes como visão do mundo. O homem posta-se no mundo tentando compreendê-lo retoricamente. Espera que o mundo o convença. Quer participar dessa sua derrota, em suma, porque ser convencido é ser vencido, mas participar na vitória alheia. Desconfia da contemplação, porque o mundo se lhe anuncia como luta, com vencedores e vencidos, ou, de preferência, com tratados de paz. A convicção, filha da retórica e seu motivo, não é visão, é um tratado de paz consigo mesmo e com os outros.

A questão é que Curtius faz reviver a retórica, não como um exercício, mas como um potente instrumento de análise. Não a idolatra, reconhece-lhe a força. Tão simplesmente.

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