segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Apo(so)logia de um cigarro em três reflexões (Parte II da Trilogia do Fumo)


Não fumo. Mas não escondo a inveja de quem o faz. Com prazer - e por prazer -, claro. Imagino sempre o gosto de quem puxa de um cigarro depois de um jantar como se de um ponto final se tratasse. Sem o cigarro, a frase não tem fim.

Também à reflexão solitária o cigarro - e o fumo - emprestam o ambiente e trazem a necessária calma.

Vejo o meu Pai de olhos semicerrados, espraiado nas costas de um sofá velho, pernas estendidas, a medir a evolução dos quadros que pinta, um cigarro sempre à mão (na mão).

Não fuma enquanto trabalha. Fuma quando pára. Cada passa, uma pausa. Descansa, no fundo.

Não engole o fumo porque não precisa - nem quer.

Quer apenas a paz que um cigarro lhe traz.




Na sociedade em que vivemos, criada e imposta por uma Bruxelas asfixiante, temos que ser TODOS saudáveis e um dia, quiçá, todos loiros ou todos morenos ou, mais inusitadamente, todos absolutamente ruivos. Ruivos até nas axilas.

Aliás, em breve também os pêlos serão proibidos por inestéticos e desconformes, sempre tão difíceis de uniformizar.




Penso seriamente em criar a Associação dos Fumadores Passivos.

Seremos os “anti-Clinton”, por assim dizer. Quando confrontados pelas autoridades, responderemos com ar de desafio, enquanto o fumo nos foge pela boca:

“Não Senhor Guarda, não dei nenhuma passa, mas inalei, com muito orgulho”.

Enquanto os “criminosos” fumam, no espaço fechado de salas clandestinas, nós estaremos logo atrás, espreitando por cima dos ombros – como “abat jours”.

Pescoços estendidos, olhos fechados, narinas abertas. A inalar.


5 comentários:

Sofia Galvão disse...

Caro João Pedro, julgo que a ausência de comentários a este seu post só pode explicar-se pelo puro prazer da leitura e, nessa medida, pela sua reiteração a cada novo dia. Por mim falo, já que li e voltei a ler, recuperando o gozo perdido de cigarros fumados há muito e há muito - julgava eu - esquecidos.
Axilas ruivas e associação de passivos à parte - motes estimulantes para desenvolvimentos a que não me arrisco -, a sua inveja confessa fez-me voltar - no sentido pleno e físico do termo - à experiência concreta de um cigarro celebrado. Prazer supremo de quem, na solidão de uma ideia ou de uma emoção, tal como a pretexto de uma conversa, marca o momento...
Obrigada, João Pedro, pela experiência. Total e serena - como o meu último cigarro, há mais de dez anos.

JP Guimarães disse...

Cara Sofia,

Fico muito contente por lhe ter proporcionado esse (pequeno) prazer, para mais, sem lhe ter provocado qualquer dos malefícios normalmente associados ao fumo.

A forma aparentemente saudosa como recorda o último cigarro, de há dez anos atrás, fez-me lembrar a personagem de um filme (interpretada pelo Robin Williams?) a afirmar que “se nasce fumador”.

Sem ousar alongar-me numa questão que a própria Sofia não quis arriscar, suponho que o mesmo princípio se possa aplicar aos (fumadores) passivos.

A este propósito fica ainda uma pergunta: uma "associação de passivos" não acaba por ser uma contradição nos termos?

Quanto ao outro dos “motes estimulantes”, as axilas, penso que não estarão obrigadas a uma experiência de vida (tão)unidimensional.

Dependendo do gosto de cada um - e da resistência da pele aos químicos - poderão, tal como os All Stars, assumir todas as cores.

Assim o permita Bruxelas.

Anónimo disse...

Vai animada a converda sobre passivos, activos e axilas.
Não interrompo e vou pregar para outro lado. Ele há coisas que só se discutem a dois...

Sofia Galvão disse...

Vê, João Pedro?... Estávamos nós numa conversa civilizada, trocando ideias com elevação, e vem um comentário da geral! Só pode ser ciumeira, pura e simples ciumeira...

JP Guimarães disse...

É verdade Sofia. E é triste.