Os dogmas de Camille
Se não se importam, dêem um saltinho aqui, mas também aqui, e leiam. A tese é de Camille Paglia e resume-se nestes pontos a que eu acrescento alguma flor de sal local:
O humanismo secular falhou e as vanguardas modernista e pós-modernas estão mortas e enterradas;
A cultura que emergiu dos movimentos de contracultura e de Maio de 68 não é herança que se recomende a ninguém, devendo e podendo assacar-se-lhe a responsabilidade pelo deserto de valores que a escola hoje atesta;
O ateísmo é um corpo cadavérico. Deus e o “vasto mistério do universo” foram a “raison d’être” da grande arte e de uma visão grandiosa da humanidade;
O ensino, perdida a referência da arte e da filosofia, declinou em trivialidades e exercícios de auto-estima;
Sem alguma forma de espiritualidade (de sublime, digo eu) as pessoas anestesiam-se seja de que forma for, da imersão básica no materialismo às drogas e aos tranquilizantes, estes últimos a língua franca das elites de Nova Iorque;
A Europa é o melhor exemplo da falência desse secularismo. Não há nela sinais vitais de criação artística contemporânea. Se alguma coisa é, a Europa é hoje, para milhões de turistas, o fabuloso e fantasmagórico museu dos restos mortais da religião e da realeza do passado.
Aviso os mais distraídos de que Camille Paglia é uma figura controversa. Ateia, lésbica anti-feminista como ela faz questão de sublinhar (seria preciso elaborar um pouco mais, mas isto é só um post), paladina do melhor que a pop culture fez (dos filmes de Hollywood ao mais físico e carnal rock ‘n roll), defensora do papel catártico da representação do sexo e da violência no cinema e na televisão, asseguro-vos que, se se decidirem a meter-se com ela, vão ter one hell of a ride. Mas se procuram algum excitment, um módico de rituais pagãos e um banho cultural radical, o já clássico “Sexual Personae” é um bom começo.
1 comentários:
Eu comecei pelo Vampes & Vadias, há muitos anos já. Depois, fui acompanhando, confesso que sempre rendida a essa ímpar e característica capacidade de desafiar. Always outside of the box, Paglia estimula, areja e provoca: desinstala-nos.
Agradeço, por isso, o alerta para estes papers: revisitação aggiornatta de cruzadas antigas. Tomei boa nota.
Aliás, porque esta mulher é um bálsamo de energia e criatividade (e isso é muito mais importante do que a estatística sobre o número de vezes em que subscreveríamos integralmente as suas teses), deixo - não para si, Manel, que a conhece bem, mas para os nossos amigos que a conheçam menos - uma apresentação, na primeira pessoa:
«Os princípios progressistas dos anos 60 precisam de ser resgatados do pântano nauseante do politicamente correcto em que se afundaram. Os meus mais elevados ideais são a liberdade de pensamento e de expressão. Condeno todos os códigos reguladores da liberdade de expressão e, em nome dela, adopto a agressividade como instrumento contra as opiniões feitas e as suposições indiscutidas. Os meus heróis são os libertinos do iluminismo e os estetas da decadência do século XIX. Ciência e arte - intelecto e imaginação - devem ser reintegrados, em nome de uma visão completa do universo.» (Vampes & Vadias, Relógio d'Água 1997, pp. 19-20)
Boa! Obrigada, Manel...
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