quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

III. Proclo, Teologia Platonica. Testo greco a fronte, Bompiani, 2004

Proclo, como todo o bom neoplatónico antigo, deu primado ao uno. Convenhamos: sob o ponto de vista lógico (no sentido grego, forte) é bem mais consistente. Se a ambição é unificar a realidade toda, o uno pode atravessar mais facilmente as fronteiras. Não é uma construção matemática, mas a sua universalidade assenta na mesma razão da (relativa) universalidade cultural da matemática. Escolher o Uno como elemento unificador da realidade não é escolher. É aceitar. É reconhecer que a formulação do problema já traz a resposta. Neste sentido qualquer pessoa, em qualquer cultura, desde que coloque o problema filosófico fundamental, já tem pela enunciação o caminho da resposta. E reconhecendo todas as línguas a unidade, sob pelo menos algumas das suas formas, a filosofia do Uno é muito mais universal. Não é capricho de filósofos decadentes.

Por isso quando vejo pessoas fascinadas com um exotismo que mais não é que turístico e se espantam com as filosofias ditas orientais vejo-me forçado a concluir que nada sabem do pensamento, da mística e da filosofia europeias. O misto de misticismos, filosofia, razão, e sentido prático que muitas vezes procuram encontra-se igualmente na cultura europeia. Em graus diversos em Erckhart, Santa Teresa de Ávila, Plotino e também Proclo .

Porque ter por centro o Uno não é isento de efeitos. Sempre que se pretende determinar o Uno apenas se obtêm a sua deslocação, apenas se o descaracteriza. Assim sendo, é mais tarde ou mais cedo inevitável que este tipo de filosofia desemboque numa mística. Foi assim com os neoplatónicos antigos, foi assim na Renascença.

A filosofia do Uno não morreu e encontramo-la em cada passo da História europeia. Os nominalismos (sob a capa de formalismos ou não), as correntes místicas e o empirismo são os seus herdeiros. Os primeiros na sua forma articulada, as segundas na forma exaltada, sendo que o empirismo é a forma melancólica da doutrina do Uno. Ainda hoje em dia quando alguém se põe a ler o DSM IV-TR está a espreitar uma modalidade melancólica da filosofia do Uno. Que misticismos e empirismos sejam afins, por mais estranho que isso possa parecer aos menos avisados, mostra-o a Renascença que foi simultaneamente adepta de ambos (e cultora consciente dos neoplatónicos – Nicolau de Cusa lia Proclo, por exemplo), ou a cultura inglesa que oscila entre o misticismo de Blake e Byron e os empirismos. São apenas duas faces da mesma moeda. Ironia da História, Shakespeare, que é o menos inglês dos escritores o mais tomista de todos, o mais cultor do ser, é tomado por fetiche britânico. Não é de espantar. Camões representa um espírito sistemático que nada tem de português e, de novo, foi escolhido como fetiche. No fundo, ambos representam o que falta no dia a dia de cada povo que os assume como ícone.

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