segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Portugal, Afeganistão e Desorientação Estratégica

Leio este fim-de-semana, na coluna de Miguel Monjardino, no Expresso, com tripla surpresa, a notícia do «fim da missão portuguesa no Afeganistão». Surpresa, antes de mais, por ser uma notícia que me passou completamente despercebida e, sendo uma notícia de tal gravidade e, com toda a probabilidade, de tão amplas repercussões no futuro, quase me envergonha ter deixado escapar, não procurando sequer justificação nas várias ausências recentes de Portugal. Uma notícia dessas não devia, de facto, escapa-nos. Mas, também por isso, me surpreende que uma tão grave notícia tenha passado quase despercebida a muitos mais _ tanto quanto me aperceba, nem o muito douto Prof. Marcelo Rebelo de Sousa a terá mencionado nos seus laicos sermões dominicais aos portugueses. Todavia, grave verdadeiramente grave, verdadeiramente muito mais grave que tudo isso, é o seu próprio teor e o seu significado, ou seja, o completo desnorte estratégico em Portugal se encontra. Como Miguel Monjardino refere, «o silêncio e a indiferença com que este anúncio foi recebido diz muito sobre o estado do debate estratégico em Portugal». Di-lo, de facto, mas diz, infelizmente, também muito mais, diz tudo da aparente completa desorientação estratégica ou geoestratégica oficial de Portugal neste momento.


Como todos sabem, ou deveriam saber, a NATO (OTAN) encontra-se, na actualidade, sob enorme pressão política, constituindo a sua missão no Afeganistão um dos pontos cruciais não só dessa pressão como também do quanto poderá vir a determinar, nos anos mais próximos, o seu próprio futuro. Uma missão complexa e difícil, dia a dia, cada vez mais difícil e complexa, exigindo, por consequência, uma continuada reafirmação de «solidário» emprenho das respectivas nações que fazem parte da Aliança, para usar, uma vez mais, expressão de Miguel Monjardino, e não de dissensões e deserções súbitas em razão de interesses incompreensíveis e, senão inconfessáveis, pelo menos inconfessados. Desvincular-se Portugal, neste momento, das obrigações livremente assumidas perante a NATO e, em particular, no caso do Afeganistão, é, do nosso ponto de vista, um crasso erro estratégico.

Portugal é uma nação atlântica. Os nossos interesses estratégicos e geoestratégicos são atlânticos, não continentais. Sempre que Portugal, por uma razão ou outra, se esqueceu da sua vocação atlântica e se virou para o continente, de D. Fernando, passando por D. Manuel até ao desastroso envolvimento na designada Guerra da Sucessão, acabando arredado, ignorado e traído em Utrech, para já nem referir as Invasões Napoleónicas, entre outras situações e correspondentes crises, as consequências foram sempre trágicas.

Hoje fala-se muito da Política de Defesa Comum, planeiam-se até já Forças de Intervenção Rápida Europeias, mas, seja qual for o futuro da Política de Defesa Comum, das Forças de Intervenção Rápida ou seja do que for, antes de mais, Portugal tem de ponderar muito bem quais interesses estratégicos ou geoestratégicos e saber, tendo a correspondente e cumulativa consciência, agir consequentemente.

Ainda em número recente do Público, António Barreto, em artigo versando sobre a Verdade ou a Mentira em Política, voltava a referir a mentira de Bush e demais aliados no famigerado «caso do Iraque», seguindo os imperativos preceitos do «politicamente correcto» da actualidade. Escapa a António Barreto, antes de mais, o erro de falar da Verdade em Política como se em Política fosse vez alguma possível falar em Verdade e não apenas e tão só em verosimilhança, como aos antigos não escapava já; como lhe escapa também que, se é certo não terem sido nunca provados os supostos arsenais de armas químicas e eventualmente disponíveis no Iraque de Sadam Hussein, também nunca se provou, sem margem para dúvida, a sua não existência ou, mais ainda, uma verdadeira impossibilidade da sua existência, tanto mais quanto as suas tropas fizeram uso das mesmas e, como qualquer leigo minimamente informado sabe, fácil é dissimular a sua existência e as correspondente capacidades para as fabricar; como escapa ainda a António Barreto que uma discussão séria sobre a questão do Iraque versará sempre sobre a oportunidade política, estratégica e militar da invasão e que, exactamente nesse enquadramento é que a Administração de George Bush falhou completamente. Tão exactamente como não ter compreendido as consequências inevitáveis decorrentes de uma retirada e transferência de meios humanos, logísticos e militares do Afeganistão para o Iraque quando, nesse momento, tudo indicava poder ainda a campanha do Afeganistão vir a ser uma campanha de sucesso, tanto quanto se poderá designar uma campanha como a campanha de invasão do Afeganistão, como uma campanha de sucesso. E tanto mais quanto, no Afeganistão, não estão apenas em causa os interesses americanos, cousa de pouca valia nos tempos correntes, mas de todo o Ocidente, Médio Oriente e grande parte do mundo Árabe. Uma derrota no Afeganistão não é, nunca será, apenas uma derrota dos americanos, nem uma derrota apenas da NATO, mas, verdadeiramente, uma derrota do Ocidente no seu todo, com repercussões incalculáveis e fundas implicações no equilíbrio ou desequilíbrio geoestratégico do mundo actual. Portugal incluído. Como António Barreto tinha, tem, obrigação de compreender, ou procurar compreender, em vez de andar a escrever artigos fáceis de tão inócuo quanto deslocado e falso moralismo.

Não sabemos, é certo, se conversações e negociações houve entre Portugal e a NATO, entre Portugal e os seus aliados. Por isso, cautelosamente escrevemos acima encontrar-se Portugal em «aparente completa desorientação estratégica ou geoestratégica». Se conversações e negociações houve, talvez não seja legítimo considerar como «completa» a desorientação. Mas que há desorientação, por tudo quanto ficou exposto e o mais que se advinha, há. Todavia, por todas as repercussões que tal desorientação poderá vir a ter no futuro, mesmo sem ser completa, tal desorientação não deixa de ser gravíssima e, não menos lamentável, parecer que, afinal, poucos, hoje, dão já por isso, i.e., por tudo isto. E não estamos a falar do «binómio de Newton».

1 comentários:

Anónimo disse...

Portugal não tem nada a fazer no Afeganistão. Estar lá sem fazer nada, a não ser proteger os maiores produtores do mundo de heroína, custa caro demais para as nossas posssiblilidades. E depois, o governo do fantoche Karzai (antigo empregado da companhia americana do oleoducto local) nem sequer é democrático. Foi imposto pelos neo-coneiros americanos ao Parlamento (Loya jirga) que lhe preferia o ex-rei. A neo-coneiragem assassina deve compreender de uma vez por todas que a ocupação cruzada de terras islâmicas NUNCA será tolerada pelas populações locais, cujo respeito é a essência da DEMOCRACIA. Ou não ?

A Europa tem valores diferentes dos da neoconeiragem americana. Para esses terroristas, a Europa tem uma solução: o TPI de Haia.