quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Na Corrente

Nunca fui muito de correntes. As que primeiro conheci eram intimidatórias, prometendo terríveis desgraças a quem não as cumprisse. Aos abaixo-assinados por dá cá aquela palha, passo sempre ao largo. Mas a Inês desafiou-me aqui para uma corrente muito especial e:

1. por estar a Inês num daqueles estados em que nada se lhe pode recusar;
2. por que quem anda na rede molha-se e eu até prometi desde o início boa vizinhança

aqui estou à procura da linha 5 da página 161 de um livro ao acaso, para tentar fazer-me interessante.
Não queiram saber, para já, quantos livros que admiramos não têm sequer 161 páginas. Tenho um belíssimo objecto que dá pelo nome “O Culto do Chá”, que Wenceslau de Moraes escreveu inspiradamente e a editora frenesi (assim, com minúsculas, por favor) ilustrou com um um bom gosto que aflige e a que nem sequer numerou as páginas, tão poucas são e tão desnecessária é a sinalização. Menos de 161 páginas tem o último livro de Roger Scruton, “Culture Counts” subtitulado “Faith and Feeling in a World Besieged”, o que tudo diz sobre o propósito transcendente do autor, em que a estética é central e sublime. 75 páginas são as páginas em que ardentemente respira Herberto Helder na “Vocação Animal”, editado pelas publicações dom quixote (assim também, em minúsculas na capa), em Maio de 1971. Muito antes, em 1963, o poeta escrevera, para a Portugália, essa “pancada de alto a baixo do meu corpo” que se chama “Passos em Volta” e que termina caprichosamente na página 160.
Fiz , por isso, e para não defraudar a Inês, batota, recorrendo à monumental “Poesia Toda”, da Assírio. Trancrevo escrupulosamente, linha 5, página 161:

contra o hálito.
Até à noite que retumbe sobre as pedreiras.
Canta – dizem em mim – até ficares
Como um orfão contornado


Mas, por mais bela e moral que seja a citação destes versos, não consegue fazer esquecer a dor e a alegria que um dia a abertura do “Amor em Visita”, de Herberto, me provocou e, fazendo outra vez batota, é essa a citação que, “ao acaso”, necessariamente vos deixo:

Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sangue
E seu arbusto de sangue. Com ela
Encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
Do sorriso de um momento.


Para não quebrar a corrente, deixo o mesmo desafio, et pour cause, a cinco mulheres: à misteriosa Teresa C. do Sem Pénis nem Inveja, à rigorosa Helena Matos de Blasfémias, à voluntariosa Antonieta Lopes da Costa do Jazza-me Muito, e às ilustres presenças femininas de Geração de 60, Sofia Galvão e Inês Dentinho, esperando que nenhuma delas tenha já sido atormentada antes com pedidos do género, o que só mais justificação lhes dará para me mandarem dar higiénica volta.
ps - back to basics: o desafio é fazerem post nos respectivos blogs, citando a linha 5 da página 161 de um livro aberto "ao acaso".

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