quinta-feira, 15 de novembro de 2007

As estatísticas do horror

Se subitamente, com o whisky do desespero numa mão e um desencantado impulso no peito, dissermos aos nossos amigos, no meio duma conversa lá para o fim da noite, que o mundo está cada vez mais perigoso, ninguém em seu perfeito juízo nos desmentirá.
E, no entanto, talvez não seja verdade. Ou essa não é, pelo menos, toda a verdade das estatísticas. Num relatório do Human Security Centre (British Columbia University, Vancouver, Canada), analisando os conflitos armados no planeta em que vivemos, os números oferecem-nos alguma surpresa e pequenos sinais de esperança.
O tipo de números que vi no relatório, passe embora ser sempre horrível e deprimente, revela uma significativa quebra nos conflitos, nas mortes e na solução para as guerras. A não ser quando se indicam outras datas, os números que se seguem comparam a situação que, em cada um dos items analisados se vivia em 2002 e, depois, em 2005.


1. Os conflitos armados reduziram 15%, de 66 para 56, tendo a redução da violência na África sub-Sahariana contribuído substancialmente para essa melhoria.
2. O número de mortes em combate baixou 40%, de 22.736 para 14.085.
3. Golpes militares: Em 1963 houve 25, 10 em 2004, 3 em 2005
4. O número de refugiados, de 2003 para 2005, baixou de 34,2 para 32,1 milhões de seres humanos, o que significa uma redução de 6%.
5. Enquanto em 1989 o mundo assistia culpado a 10 genocídios, em 2005 estava em curso um único, o pavoroso genocídio no Darfur.
6. Há mais guerras a chegar ao fim por acordo negociado e não pela vitória no campo de batalha. A tendência começou em 1990 (42 conflitos terminaram por negociação; 23 por solução bélica). Entre 2000 e 2005, 17 conflitos acabaram por acordo, e só 4 por vitória militar no terreno. Único contra: os conflitos que acabaram por renegociação têm mais tendência para se reacender do que os resolvidos militarmente.
7. Diminuiu o número de conflitos intra-estatais, entre milícias, senhores da guerra ou grupos de guerrilha rivais. Sublinhe-se, ainda assim, que os factores estruturais que podem potenciar o risco desses conflitos armados (pobreza, baixo desenvolvimento, choques económicos e falta de capacidade e autoridade do estado), mantêm-se integralmente.


Mas nem todas as notícias vêm mitigar o horror das guerras com o seu cortejo variado de violência. Aumentou o terrorismo. Aumentaram as acções organizadas contra populações civis. As campanhas unilaterais de violência contra civis cresceram 55%, de 89 para 2005. Única nota paliativa: o número de vítimas que essas acções provocaram são menores, embora a incerteza que decorre da dificuldade na contagem de baixas deva ser sempre um factor a ter em conta.
Recomendo a leitura do relatório, aqui, no site do Human Security Centre que foi fundado pelos governos do Canada, Noruega, Suécia, Suíça e Reino Unido.
Estamos, certamente longe do mundo de “calma, beleza e volúpia” que o poeta Baudelaire cantava. Mas a simples possibilidade de podermos pensar (e até dizer) que talvez o mundo que estamos a criar (que a sociedade global que desenvolvemos) está menos perigoso e é mesmo menos perigoso do que o Mundo da Guerra Fria, congela por um segundo essa visão do caos que é tão fácil e popular passar em colunas de opinião de imbatível pessimismo.

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