III. Pierre Duhem, Sauver les apparences. Sur la notion de théorie physique. Vrin, 2003
O outro lugar comum é da oposição específica do catolicismo à ciência. Ora dá-se o caso de os primeiros opositores significativos às teorias de Copérnico serem protestantes. Nada mais nada menos que o próprio Lutero e Melanchton, para dar só alguns exemplos. E, facto curioso, e não casual, a reforma do calendário gregoriano é feita com base... nas tabelas de Copérnico. Onde está aqui esta dita oposição católica à ciência?
E como se não bastara eis que vem o grande Averroïs que teria sido marca de modernidade na cultura europeia, tão propalado pelos relativistas das civilizações. O problema é que Averroïs é duplamente derrotado. Quando a ciência se mantém como convencionalista, como o foi durante quase toda a Idade Média ou no século XX, é Averroïs derrotado porque defende, mais que Aristóteles, uma visão substancialista da ciência. Quando a ciência europeia se faz “moderna”, substancialista, é derrotado igualmente, porque não é a física (aristotélica-averroista) o padrão que tem de seguir a ciência, mas são os dados da astronomia que deixam de ser levados como meras convenções, e que têm de ser levados a sério. São eles que determinam a física e não o contrário. Copérnico já acredita nisto, embora o afirmasse entre linhas. Galileu afirma-o sonoramente e daí ter sido condenado. Em boa verdade, Averroïs é ainda mais vezes derrotado, quando a ciência unifica a física sublunar e a celeste, mas sobretudo, e no seu próprio campo, quando a partir do séc. XV começa uma análise mais critica do que é o profundo pensamento de Aristóteles.
A ironia é que todos têm razão à sua maneira nesta História. Kepler, Copérnico e Galileu, quando pretendem unificar a física sublunar à celeste e (agora pelos resultados e não tanto pelos fundamentos) quando insistem no mito do experimentum crucis (expressão a vários títulos curiosa). Osiander, o cardeal Belarmino e o papa Bonifácio VIII quando lembram que uma hipótese só tem a sua verdade estabelecida, não apenas quando salva as aparências, mas quando igualmente se demonstra que todas as restantes hipóteses geram contradições com a experiência. Neste sentido são metodologicamente mais “avançados”.
Que a História oficial tenha feito de uns heróis e de outros os vilões ou pior ainda esquecidos é significativo da vontade de uniformização da nossa época louca por “podia”, concursos e campeonatos. Tanto espírito democrático faz sair por outro lado um desejo insatisfeito de hierarquias. Mas destas que se gostam são umas que esmagam e esquecem que uma História se conta sempre em diálogo, e que sem um lado o outro dificilmente se percebe.
Moral da história: mais um tema em que o homem público deveria ser proibido de falar, sob pena de pelourinho. Devia reduzir-se a falar de distritais de partidos ou outros assuntos menores. Mais à sua dimensão.
http://bkmarcus.com/blog/2007/09/penetrating-popular-consciousness
http://branemrys.blogspot.com/2007/07/duhem-on-mathematical-generalization.html
http://toegodspot.blogspot.com/2007/08/history-of-science-and-christianity.html
http://whatsleftinthechurch.blogspot.com/2007/07/history-as-chastening-rod-for-both.html
http://www.laprocure.com/livres/pierre-duhem/sauver-les-apparences-essai-sur-notion-theorie-physique-platon-galilee_9782711616084.aspx
Alexandre Brandão da Veiga
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