segunda-feira, 22 de outubro de 2007

I. Roger Scruton, England, Chatto & Windus


Há autores que vemos com maior ou menor simpatia. Scruton é-me simpático porque num meio ambiente de discursos delicodoces sempre é refrescante ver alguém que diz coisas que não são rotineiras em excesso. É um homem que tem a coragem de denunciar o benfazejo oficial, o adorável, o cheio de boa vontade até à náusea – que esconde afinal um imenso desprezo pelo sentimento da maioria das populações europeias.

Em saldo final tenho de declarar que é francamente saudável ler Scruton. Que, num mar de inanidades e pensadores oficiais perfeitamente previsíveis, ler Scruton é sempre refrescante. A análise é muitas vezes lúcida, o sentido de justiça está presente. A noção de revolta contra rotinas e inércias de pensamento “bem-pensante” só mostra que não é pequena a sua dimensão.

Mas, e o “mas” era de esperar, há muitos vícios no seu pensamento e na sua postura que não podem deixar de ser tidos em conta.

Na Busca do Tempo Perdido é formulada a Lei Social de Proust. Basicamente afirma que cada qual reconhece a classe social que lhe é imediatamente superior, mas não as seguintes. O barão de Charlus vai ter com a sua prima a rainha de Nápoles e o camareiro julga-o um simpático burguês pela delicadeza com que o barão (e várias vezes príncipe e duque) se lhe dirige. Reconheceria com facilidade um alto burguês, no entanto.

A Inglaterra que Scruton descreve é a vista pelas low middle classes que contemplam as classes médias, que por sua vez tentam imitar a aristocracia. O seu elitismo tem por base um paradigma menor.

A aristocracia tinha sangue francês, alemão e italiano, de que se orgulhava, ostentando vaidosamente a sua origem franco-normanda. Lia Voltaire e Racine, como Dante e mais tarde os românticos alemães. Nos palácios ingleses os móveis não são ingleses, mas franceses e italianos, as pinturas francesas, italianas e holandesas, a louça alemã ou francesa. É mais fácil encontrar neles Limoges ou Meissen que louça de Leeds.

A elite científica do fim de século XIX ficou embaraçada de tanto elogio que teve de fazer a Henri Poincaré por ser o mais completo cientista do seu tempo, o único que reunia a grandeza na matemática e na física, nada havendo de comparável em Inglaterra. Victor Hugo era admirado, e o amor de Dickens pela França, ou por certa França ao menos, nota-se no Tale of Two Cities. A grande cultura inglesa desde Beda o Venerável vive de ligação e distinção em relação à Europa, mas não de afastamento.

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