sexta-feira, 8 de junho de 2007

Dr Kervorkian revisited

O post do Pedro Norton sobre o famoso Dr.Kervorkian interpela-nos a todos e claro esta a nós médicos em particular.
A morte médicamente assistida e um assunto cada vez mais importante sobretudo à medida que se assiste ao envelhecimento da população a par do desenvolvimento da Medicina e das suas capacidades de manutenção da vida mesmo em condições extremas.
A eutanásia não pode ser vista de uma forma monolítica.. Existem de facto três formas diferentes de euthanasia: a passiva, a activa e o suicídio médicamente assistido.
A eutanásia passiva, que consiste na não obstaculização da morte ou mesmo a sua facilitação por meios passivos, é uma realidade frequente nos nossos hospitais. Estas situações ocorrem por decisão médica, assumida de uma forma mais ou menos velada. Em causa estão pessoas em estado terminal ou seja numa fase absolutamente final do tratamento da sua doenca, irremediàvelmente perdidas para uma vida com um mínimo de qualidade e que na maior parte dos casos implica uma perturbação fundamental do seu estado de consciência impeditiva de uma vida de relação.
Muitas destas situações são o resultado de um processo de tratamento mais ou menos penoso e longo de acordo com o tipo de doenca em causa, e a que não é alheio por vezes algum encarniçamento terapêutico. Para estes doentes a medicina já nada pode oferecer que possa fazer reverter o seu estado clínico o que acaba por concorrer para aumentar a frustração dos clínicos e esgotar a sua natural resiliência.
Na nossa sociedade e no nosso meio médico e hospitalar, com as referências éticas, religiosas e culturais que lhes são próprias, estaa medidas não vão além de uma atitude fundamentalmente passiva de não implementação de medidas médicas extraordinárias. É, repito, pela omissão de medidas consideradas inconsequentes pelos clínicos, se bem que com a possibilidade manter o organismo vivo por mais algum tempo, que se mede esta attitude com a qual nós médicos convivemos e com que na maioria dos casos penso estarmos de acordo.
Não são de forma alguma práticas comuns as de eutanásia activa, em que o médico se envolve activamente na administração de fármacos que ,em doses mais elevadas, possam contribuir para tornar mais expedito um exitus inevitàvel de outra forma a prazo e não sem um acréscimo de sofrimento físico e psicológico para o doente e seus familiares.
Um outro aspecto da mesma discussão é o do suicídio a pedido e médicamente assistido. Este é verdadeiramente o cenário em que se mexe o Dr Kervorkian. São casos em que o próprio doente pede ajuda para terminar a sua vida para pôr fim a uma dor e sofrimento que por razões vaáias nao tolera mais.
Em tese este desígnio nem sequer me parece chocante. Este sentimento é alinhado com o do Pedro quando reinvidica uma atitude liberal de completa responsabilização do indivíduo pelos seus actos.
O problema começa quando tentamos identificar as situações em que tal atitude eventualmente se justifica. Esta questão poderá parecer insignificante para quem não tenha responsabilidades no tratamento de doentes nestas condições. De facto o que leva uma pessoa a considerar intolerável o prolongamento da sua vida pode ser tudo menos claro.
Não são raras as situações em que a angústia e o sofrimento do doente se tornam intoleráveis como consequência também de factores fora do âmbito do exercício da medicina, por exemplo factores de isolamento e miséria social que retiram ao doente qualquer possibilidade ou vontade de lutar contra a doenca de uma forma que lhes permita manter um patamar de vida com alguma qualidade. Outras há em que são os próprios familiares a pedirem a terminação da vida por factores a que também não são alheias questões de natureza estritamente não médica
Temos ainda os casos de doentes com perturbações do foro psicológico e psiquiátrico que somadas a outros quadros de doenca orgânica os fazem reinvidicar uma attitude auxiliadora no sentido de pôr fim ao sofrimento experimentado.
Hà mesmo quem se preocupe que, com o envelhecimento da população e com o inexorável aumento das despesas de saúde, o esgotamento de recursos a que esta situação nos conduz pode servir como argumento e tentação para a facilitação desta atitude eutanásica como forma de solucionar algumas destas situações clínicas e sociais.
Concluo: Na minha opinião a possibilidade de se poder terminar o sofrimento de doentes em casos ímpares e muito bem identificados, de doenca terminal com comprovado sofrimento físico e psicológico, devidamente apoiados e aconselhados do ponto de vista médico incluindo o aspecto psicológico, não constitui um índice de barbárie.
No entanto a consagração deste princípio nao poderá nunca ser deixado exclusivamente aos médicos e terá que passar á forma de lei. O facto de a legislação em favor da eutanásia poder acarretar implicações de tal forma importantes possibilitando utilizações potencialmente abusivas e que extravasam completamente os principios que a deviam assistir leva-me a ter as maiores dúvidas em relação à sua promulgação.

2 comentários:

António de Almeida disse...

-Sou inteiramente a favor da eutanásia, quer activa quer passiva, desde que solicitada pelo doente, se não o fosse não era eutanásia, era assassínio, pois todas as pessoas devem ter direito a escolher como vivem, e muitas levam uma vida de exemplar dignidade e verticalidade, porquê negar-lhes esse direito na morte. Vi o filme "Mar adentro", deveria ser obrigatóriamente visto antes de quem quer que seja emitir opinião sobre este assunto.

Sofia Galvão disse...

O tema interpela-nos a todos. Se for seriamente tratado, convoca-nos para uma discussão em que se cruza o essencial do que somos enquanto cultura e civilização: o valor e o sentido da vida, o valor e o sentido da pessoa (de cada pessoa), o alcance da liberdade individual e a disponibilidade sobre o próprio destino, etc, etc. Tema difícil, centrado em questões difíceis...
Por isso, é tão decisivo que o pensemos com absoluta serenidade. Sem qualquer precipitação, sem a tentação de seguir esta ou aquela moda, sem que nos impressionemos definitivamente por este ou argumento. Por isso também é tão importante que a discussão surja apoiada em contributos sérios, reflectidos, informados, ponderados.
Para tanto, é uma oportunidade podermos ver o premiado documentário de Fernand Melgar, EXIT - O DIREITO DE MORRER, dedicado à actividade de uma instituição que, há décadas, apoia o suicídio de doentes crónicos (RTP2, 15 de Junho, 23:30) - o contexto é, naturalmente, a Suíça, único país do mundo com uma experiência alargada nesta matéria.