domingo, 10 de junho de 2007

I. As velas ardem até ao fim, Sándor Márai, Dom Quixote, 2007

Confesso ser cansativo pela repetição o espectáculo do plebeu. A obra digna reflecte ou a nobreza ou o povo. O povo apenas se torna plebe quando pretende sair de si. Não ponho em causa a grandeza da saga burguesa, que soube nobilitar-se pela cultura e apenas através dela. Mas nem todos os países tiveram efectiva burguesia. Abaixo dos Pirinéus é vão procurá-la.

Os gregos, que estavam bem longe de ser tontos, bem sabiam que a tragédia e a obra digna em geral apenas lidava com aristocratas, por vezes com gente do povo, como o criado de Ulisses. Já a comédia metia em jogo a plebe, não tanto o povo enquanto tal, mas o bufarinheiro, o marchante.

Mesmo a burguesia, nos seus melhores momentos, e quando produziu obras-primas inegáveis perante as quais me inclino respeitosamente, acaba por reconhecer que a grandeza corresponde à negação do princípio de que nasceu. Em Roger Martin du Gard, mas sobretudo com Thomas Mann dos Buddenbruck e da Montanha Mágica, não há consumação de um destino, mas apenas a dissolução de um princípio. Ao princípio burguês da quantidade segue-se a geração artística, heróica, que nega o paradigma burguês. Teria de ser assim. Para que o burguês seja gente precisa de negar a ideia de continuidade. Para se perpetuar precisa de se negar portanto.

É por isso natural que a tragédia aristocrática corresponda à manutenção de um princípio, mesmo que transformado pelos atropelos da História. O Leopardo, sobretudo na versão de Visconti, apela para a eternidade, para a constância das estrelas.

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