quarta-feira, 2 de maio de 2007

A propósito de uma imagem de Deus

Quando era criança aprendia-se que era de muito má-criação virar as costas ao altar. Podia-se entrar por qualquer das alas, embora para quem preferisse a discrição uma lateral fosse de bom-tom. Mas sair, apenas pelas laterais.

Hoje em dia vejo o turista despreocupado virar o traseiro ao Cristo, não percebendo ele que dá em espectáculo ao Salvador, não o seu desinteresse, mas em geral uma das imperfeições possíveis da Criação, o exemplo do seu posterior.

É evidente que Luís XIV excepcionava a esta regra, tendo o cuidado de sair pela ala central, virando as costas ao altar. Sem dúvida. Mas era senhor do mais populoso, rico e poderoso reino da Europa, sabia da sua dignidade episcopal de herança merovíngia, era de melhores famílias que o turista, e sobretudo sabia fazê-lo com maior graça.

Neste mundo em que a democracia invade tudo, sobretudo onde não pertence, ou seja, fora do espaço político, Cristo é visto como um amigo, um companheiro, o que não desvirtuará totalmente a mensagem evangélica.

É mais um cidadão, a que podemos reconhecer a intimidade ou não, ou a quem podemos fazer apenas mais um aceno se isso for do nosso agrado.

Mas poucos têm a perspectiva de O ver de costas, ou melhor de que Este nos vire as costas. Visto nesta perspectiva o negrume predomina e só Ele nos permite ver a luz. Lembramos assim o “luz de luz, luz verdadeira de luz verdadeira”, oração em que cada palavra tem um peso e um significado dogmático e místico mais rico que o turista é capaz de conceber. Não somos nós a ver o Cristo, mas Ele que nos vê a nós.

Para vermos o Seu poder precisamos de perceber a capacidade que Ele tem de nos virar as costas. O Cristo na cruz, O da Paixão, mostra assim o seu lado de Cristo Pantocrator. Os ortodoxos eram capazes de o ver de frente. Nós precisamos de O ver de costas para nos lembrarmos do numinosum, do tremendum.

Da próxima ver que assistirmos a um turista que passeia negligentemente por uma igreja, talvez nos lembremos de que podemos lançar o nosso olhar distraído pelas pedras, mas observados somos apenas nós.

1 comentários:

Manuel S. Fonseca disse...

Para além do comentário lateral que é o meus post acima, alguns dados da Imprensa de heoje (CM), a propósito do turismo religioso. Vale 500 milhões de € por ano, em Portugal e faz entrar, de avião, por exclusiva motivação religiosa 300 mil visitantes, sendo Fátima a jóia da coroa.