Oceanos I
Permitam-me que esqueça por momentos a politiquice interna e a espuma dos dias para partilhar convosco algumas reflexões antigas (que não são exclusivamente nem sequer maioritariamente minhas mas de toda uma equipa – que contava com gente como o Eng.º Carlos Pimenta, o Almirante Viera Matias, o Prof. Hernâni Lopes, o Prof. Mário Ruivo ou o meu amigo Tiago Pitta e Cunha - que esteve na base, há uns anos, da elaboração de uma entretanto esquecida Estratégia Nacional para os Oceanos onde de resto estão expressas grande parte destas ideias). Faço-o essencialmente por imperativo de consciência. Porque acredito que há ideias que, apesar de largamente desprezadas pelos poderes políticos, não merecem ser esquecidas. A ideia de fazer assentar (ainda que parcialmente) uma estratégia de desenvolvimento para o país numa visão moderna e mobilizadora dos oceanos é uma delas. E como as ideias nos blogues não ocupam espaço, e como os internautas podem livremente passar ao post seguinte, mal ficaria com a minha consciência se não tentasse, mais uma vez, pregar no deserto.
A minha (nossa) reflexão tem um pressuposto de base: Portugal está confrontado, neste início de século, com dois fenómenos principais que já marcam mas sobretudo que continuarão a condicionar muito do seu futuro. Estou a referir-me aos fenómenos da globalização (que nos últimos anos deixou largamente de ser um conceito abstracto e se faz sentir, a vários níveis, na nossa vida comum) e do aprofundamento (e alargamento) da integração europeia (que bem recentemente ganhou novo ímpeto e acuidade como todos igualmente sabemos). São dois fenómenos incontornáveis perante os quais não podemos, qualquer que seja a nossa opinião sobre eles, enfiar a cabeça na areia e pretender que não existem. Existem, estão aí, e além do mais consolidam-se, como ficou dito, a cada dia que passa.
Ora esses fenómenos lançam-nos dois reptos ou dois desafios muito claros.
O primeiro desses reptos é o de assegurar um reforço da identidade nacional. E esclareço que falo aqui de identidade no sentido lato. Ou seja, quer como marca distintiva do país no exterior, quer como percepção interna que os portugueses têm de si próprios como país e como nação. É que, se nada for feito, Portugal acabará, por força dos fenómenos da globalização e do aprofundamento da integração europeia, por se tornar cada vez menos relevante. Alguém comparava há tempos Portugal a Vila Franca de Xira. Com o fim da iconografia dos toiros e dos campinos própria do Estado Novo, Vila Franca deixou de ser uma vila com uma identidade forte e própria e transformou-se num subúrbio indiferenciado de Lisboa. É o que inevitavelmente acontecerá a um país com menos de 2% da população da Europa e aproximadamente 1% do seu produto que nada faça por acarinhar, trabalhar e projectar os traços de uma identidade que seja única, verdadeira e distintiva.
Mas passemos ao segundo repto. Refiro-me a necessidade absolutamente premente de encontrar um modelo de desenvolvimento sustentável dentro do quadro descrito, e que passa pela eleição de uma área de especialização para o país. De facto, num quadro de competitividade acrescida, um país periférico e de dimensão limitada não pode ter a ambição de competir em todas as frentes com os níveis de excelência que são necessários para alcançar o sucesso em mercados cada vez mais globais.
Acrescento ainda que parece óbvio que estes dois desafios estão inter-relacionados. Por um lado, não é possível projectar sustentadamente uma imagem a que não corresponda um substrato real. Mas por outro lado, não é menos verdade que os benefícios de uma especialização podem ser comprometidos se não conseguirmos projectar no exterior as mais valias e as vantagens competitivas que dela decorrem. (continua)
3 comentários:
Meu caro Pedro, o problema é mesmo a estratégia ou, como você melhor diz, a estratégia de desenvolvimento.
Desde sempre, o futuro dos países dependeu da sua capacidade para ter pensamento estratégico: acerca de si próprios e do seu papel no mundo. Os países de sucesso - assim ditos ou assim reconhecidos - são e foram aqueles que encontraram rumo e que, nesse rumo, desenharam o seu futuro.
Hoje, num mundo global e ciclópico, a necessidade de definir um caminho é, por maioria de razão, e se possível, ainda mais decisiva do que foi no passado. Sobreviverão, apenas, aqueles que forem capazes de projecto. Até porque só esses conseguirão mobilizar e transformar.
A tudo isso se chama Política. Fazer Política é, afinal, fazer a história.
Mas, para podermos fazê-la, é preciso colocar (e, já agora, responder) às grandes questões: o que queremos ser daqui a 15 ou 20 anos? que país queremos ser? que papel queremos ter na Europa e no Mundo? como superaremos as nossas debilidades estruturais? como cresceram e se afirmaram aqueles que hoje são referências de desenvolvimento? podemos aprender com eles? podemos emular? quais os sectores estratégicos para a afirmação do país num horizonte de 10 ou 15 anos? quais os mercados que quereremos explorar e desenvolver? quais as empresas e marcas em que deveremos apostar?
Mas alguém ouve tais perguntas? Alguém pressente que possa haver respostas?
Esta seria a agenda de um povo com futuro. Infelizmente, vamos tendo arguidos e licenciaturas como entretenimento prioritário...
Caro Pedro Norton,
estou, por razões profissionais, muito ligado ao mar (o "muito" é escusado: estou ligado ao mar). E tenho participado em várias sessões com algumas das pessoas que cita.
Parece-me que a questão da identidade marítima de Portugal é um dado mais ou menos adquirido: o problema reside em operacioná-lo - questão que foi aliás levantada num recente debate na Sociedade de Geografia de Lisboa, se bem me lembro pelo Comandante Beça Gil.
Tenho duas ou três ideias sobre o assunto. Mas parece-me mais interessante agora tentar definir o ponto de partida, antes de traçar o rumo.
E a verdade é que o ponto de partida não é fácil: é um País que vive há décadas arredado do mar; de onde toda a autoridade se desvaneceu - com o consequente aparecimento de quintas e quintinhas e capelas e quejandos; onde qualquer progresso é visto como uma ameaça às ditas quintas; onde a ignorância sobre as matérias sobre as quais se tem que decidir é vista como uma fatalidade, aceite por todos, decisores e "decididos", parte da ordem imutável das coisas; um país onde a forma é mais importante do que o conteúdo, e o formalismo asfixiante; e onde, paradoxal, dolorosa e frustantemente, o papel de catalisador reside no Estado, e não no seu lugar natural, o sector privado.
Gosto de me definir como "marinheiro" - uma honorável fratria a quem, quando o vento sopra de norte e se quer ir para norte, de nada serve reclamar, gritar e barafustar: por muito que o faça, o vento continuará, decerto, a entrar de norte. Melhor sem dúvida será levantar ferro e bolinar.
É o que há a fazer: bolinar e bolinar e bolinar, porque parado no porto à espera que o vento mude ainda se anda menos.
Vimos, nas palavras felizes de Manuel Gusmão, de uma "longa ausência de mar": compete-nos a nós transformar essa ausência numa presença - e, perdoe-me o dramatismo, numa presença perene.
Os analistas económicos andam confusos. Não obstante o aumento da massa monetária, actualmente em redor dos 10%, a inflação continua abaixo dos 2%. Então, porque diabo continua o Banco Central Europeu a subir as taxas de juro e, dessa forma, a aumentar as dívidas das pessoas, das empresas e do Estado?
A confusão dos analistas económicos provém da crença de que o Banco Central Europeu tem por missão manter a estabilidade dos preços na zona do EURO. Ora, a missão do Banco Central Europeu é bastante mais prosaica:
O lucro do Millennium BCP atingiu 191 milhões de euros no primeiro trimestre do ano. Os resultados em base recorrente cresceram 16% nos primeiros três meses do ano.
O Banco Espírito Santo divulgou um lucro de 139,8 milhões de euros no primeiro trimestre, mais 33% que no período homólogo...
O BPI obteve um resultado líquido de 96,8 milhões de euros no primeiro trimestre do ano, um valor que corresponde a uma subida de 30 por cento face a igual período do ano anterior.
O resultado do Banco Bilbao Viscaya y Argentaria (BBVA) subiu para pouco mais de 1,25 mil milhões de euros, mais 23% no resultado líquido no primeiro trimestre de 2007.
O Banco Santander Central Hispano obteve um resultado líquido de 1,8 mil milhões de euros, no primeiro trimestre do ano. Este valor representa mais 21% que no período homólogo...
Comentário de Fernando Madrinha - Jornal Expresso - 3 de Fevereiro de 2007: E que esses lucros colossais [da banca] são, afinal, uma expressão da dependência cada vez maior das famílias e das empresas em relação ao capital financeiro. Daí que, em lugar de aplauso e regozijo geral, o que o seu anúncio provoca é o mal-estar de quem sente que Portugal inteiro trabalha para engordar a banca. Ganha força essa ideia de que os bancos sugam a riqueza do país mais do que a fomentam.
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