Oceanos II
Tendo em mente os desafios que se colocam ao país e a que me referia no meu último «post», parece hoje claro que o Oceano deve ter um papel central numa estratégia de futuro para Portugal. E digo isto por uma razão simples: o Oceano pode ter um papel fulcral, quer no reforço da identidade e da imagem portuguesas, quer no caminho da especialização do país.
No que diz respeito ao primeiro ponto, a identidade e imagem, permito-me começar por fazer um breve parêntesis sobre o que parecem ser os erros da tradicional estratégia de promoção da marca «Portugal» que se têm traduzido num problema de imagem sério. Até hoje as apostas no domínio do marketing nacional têm apostado no «sol, praia, golfe e calor humano» como valores comunicacionais de referência. São «banalidades» que pouco têm feito para diferenciar Portugal do resto dos países do sul da Europa, com os quais continuamos recorrentemente a ser comparados e, mais grave, com os quais temos grande dificuldade em competir noutro atributo que não seja o preço. Todos os estudos o comprovam: Portugal não está associado à ideia de qualidade, muito menos a inovação ou estilo. Portugal suscita simpatia mas nunca admiração. Portugal tem, em suma, um problema sério de imagem que ao invés de aportar valor aos seus produtos os embaratece.
Ora o Oceano pode ser, se bem explorado, a chave para este problema de imagem. E refiro isto por duas ordens de razões que me limito a enunciar.
Primeiro, e esta é porventura a razão mais importante, o Oceano permite uma ruptura comunicacional que pode ser absolutamente crítica num ambiente de elevado ruído mediático como é aquele em que competimos. E digo que o Oceano permite uma ruptura porque é o Oceano que nos confere a legitimidade para, em vez de estarmos condenados a ser vistos como um pequeno país europeu, nos assumirmos como a «grande nação atlântica da Europa». Não é megalomania; é essa a nossa realidade geográfica e é essa ainda a imagem – a cair em esquecimento é certo – que muitos fazem ainda de nós. Depois, porque é o Oceano que nos pode dar a legitimidade que precisamos para nos assumirmos, em vez de como mais um indiferenciado país do sul, como – tal como alguém em tempos sugeriu - um país da «costa ocidental da Europa». Este é um conceito decisivo. Ao contrário da nossa dimensão meridional, a ideia de «ocidentalidade» e a colagem que, por exemplo, necessariamente sugere à «west coast» americana, comporta um sem número de conotações muito positivas que podem e devem ser exploradas. Ponto mais importante, estas duas ideias não deixarão de causar surpresa. Um Portugal projectado como o país de maior território oceânico da UE e simultaneamente como sua fronteira mais ocidental, é uma ideia que não pode deixar de criar importantes rupturas comunicacionais, e de abrir portanto a porta a um reposicionamento de marca efectivo.
Depois, o Oceano contém dimensões comunicacionais muito positivas e diferenciadoras que podem e devem ser exploradas no âmbito de uma estratégia de reposicionamento qualitativo da «Marca Portugal». Dou alguns exemplos. O Oceano como factor ambiental, como componente determinante para a vida na terra e como regulador fundamental do clima no planeta. O Oceano como última fronteira da ciência e da tecnologia, e neste quadro os Açores como grande laboratório atlântico do planeta, ou seja o Oceano como símbolo de inovação e modernidade. O Oceano como fonte de energias limpas e alternativas (e é escusado sublinhar a actualidade deste conceito). O Oceano como espaço progressivamente mais importante de lazer e de turismo. O Oceano como cultura. Os exemplos podem multiplicar-se. Todas estas dimensões podem emprestar à «Marca Portugal» os atributos de qualidade, modernidade e diferenciação que hoje manifestamente não tem. Se associadas a um substrato económico e social real podem fazer pela «Marca Portugal» o que os atributos de «robustez e eficiência» fazem pelos produtos alemães ou o que a ideia de «requinte» faz pelos franceses e a de «design» faz pelos nórdicos. Dito de forma mais simplista, o Oceano como marca inteligentemente explorada nas suas várias dimensões pode aportar valor aos produtos portugueses, começando pelos resorts turísticos e acabando nos sapatos.
Relativamente ao segundo desafio que se nos depara - a especialização –o Oceano é igualmente incontornável. E digo que é incontornável por quatro razões principais. Primeiro porque a nossa realidade geográfica nos coloca numa posição claramente privilegiada em relação aos outros países europeus (é bom lembrar que Portugal tem uma área marítima sob sua jurisdição que é dezoito vezes maior que o seu território terrestre e que corresponde a grande parte do Mar da UE). Depois porque Portugal, apesar do desinvestimento feito nesta área, possui ainda um considerável know-how em sectores muito diversos que formam a tal base de substrato económico real que nos permite ambicionar fazer dos Oceanos uma área de especialização viável. Esse know-how e a ambicionada excelência existem em lugares tão diferentes como o Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, o Centro de Recursos minerais da Universidade Nova de Lisboa e até – para citar alguns exemplos mais directamente ligados à economia real - o Porto de Sines e os estaleiros de reparação naval da Lisnave. Não se trata pois de escolher uma área de especialização onde não tenhamos valias nem experiência. Muito longe disso. Depois porque o Oceano é um domínio onde as potencialidades económicas estão ainda largamente inexploradas. Está muito longe de estar descoberto todo o potencial dos produtos biotecnológicos extraídos de organismos marinhos, está muito longe de estar explorado todo o potencial de um porto de águas profundas como é o porto de Sines numa altura em que se o tráfego marítimo redobra de importância, e está provavelmente ainda mais longe a plena utilização dos recursos oceânicos como fonte de energia numa época de preços de crude galopantes. Os exemplos poderiam suceder-se mas manda a prudência que eu não nade, nesta matéria, para fora de pé. Finalmente, e esta é quarta das razões que queria invocar, porque Portugal não tem, ao nível dos seus recursos naturais, nem na agricultura, nem no seu subsolo, opções que possam constituir alternativas válidas a uma aposta no mar.
E a prova de que assim é – ou seja a prova de que a especialização no Oceano faz todo o sentido – é que a economia marítima tem já hoje uma expressão muito significativa na economia portuguesa. De acordo com um estudo que a Comissão Estratégica encomendou à Universidade Católica, esta terá representado em 2001 – só de forma directa – 5% do Valor acrescentado Bruto e 5% do emprego. Se às actividades dos sectores directamente relacionados com o mar juntarmos as actividades de sectores, que não tendo relação directa com este dele beneficiam indirectamente (estão neste caso por exemplo os sectores de exportação que beneficiam da proximidade de infra-estruturas portuárias, a indústria da construção civil e imobiliária que beneficiam da proximidade do mar por razões óbvias, etc.), então chegamos – segundo a Católica – a valores de 11% do PIB, 12% do emprego e 17% dos impostos indirectos.
Em suma, é minha (nossa) convicção profunda que o Oceano pode ter para Portugal um papel fulcral na resposta que temos imprescindivelmente de dar ao duplo problema do reforço da identidade e da necessidade de encontrar uma via de especialização para o país. É essa a Visão, a ideia, contagiante mas simples como todas as boas ideias, que animou um grupo absolutamente heterogéneo de cidadãos, de quadrantes políticos e backgrounds profissionais muito diversos, ao longo do laborioso processo da elaboração de uma estratégia nacional para o Oceano. Foi essa a Visão, foi o entusiasmo que ela suscita, que permitiu que trabalhássemos, na Comissão, em tempo recorde, deixando para trás afazeres profissionais e pessoais muitas vezes importantes. Foi essa Visão que permitiu que ultrapassássemos, aqui e ali, naturais divergências para aprovar o relatório final por unanimidade.
Infelizmente, como tantas vezes acontece em Portugal, com as mudanças de ciclos políticos, mudam as prioridades estratégicas do país (como se não fossem isso mesmo: prioridades estratégicas). E em resultado disso esta é hoje uma ideia, senão abandonada pelo menos largamente secundarizada. Mas como não gosto de desistir com facilidade das causas em que me empenho prometo continuar a insistir.
No que diz respeito ao primeiro ponto, a identidade e imagem, permito-me começar por fazer um breve parêntesis sobre o que parecem ser os erros da tradicional estratégia de promoção da marca «Portugal» que se têm traduzido num problema de imagem sério. Até hoje as apostas no domínio do marketing nacional têm apostado no «sol, praia, golfe e calor humano» como valores comunicacionais de referência. São «banalidades» que pouco têm feito para diferenciar Portugal do resto dos países do sul da Europa, com os quais continuamos recorrentemente a ser comparados e, mais grave, com os quais temos grande dificuldade em competir noutro atributo que não seja o preço. Todos os estudos o comprovam: Portugal não está associado à ideia de qualidade, muito menos a inovação ou estilo. Portugal suscita simpatia mas nunca admiração. Portugal tem, em suma, um problema sério de imagem que ao invés de aportar valor aos seus produtos os embaratece.
Ora o Oceano pode ser, se bem explorado, a chave para este problema de imagem. E refiro isto por duas ordens de razões que me limito a enunciar.
Primeiro, e esta é porventura a razão mais importante, o Oceano permite uma ruptura comunicacional que pode ser absolutamente crítica num ambiente de elevado ruído mediático como é aquele em que competimos. E digo que o Oceano permite uma ruptura porque é o Oceano que nos confere a legitimidade para, em vez de estarmos condenados a ser vistos como um pequeno país europeu, nos assumirmos como a «grande nação atlântica da Europa». Não é megalomania; é essa a nossa realidade geográfica e é essa ainda a imagem – a cair em esquecimento é certo – que muitos fazem ainda de nós. Depois, porque é o Oceano que nos pode dar a legitimidade que precisamos para nos assumirmos, em vez de como mais um indiferenciado país do sul, como – tal como alguém em tempos sugeriu - um país da «costa ocidental da Europa». Este é um conceito decisivo. Ao contrário da nossa dimensão meridional, a ideia de «ocidentalidade» e a colagem que, por exemplo, necessariamente sugere à «west coast» americana, comporta um sem número de conotações muito positivas que podem e devem ser exploradas. Ponto mais importante, estas duas ideias não deixarão de causar surpresa. Um Portugal projectado como o país de maior território oceânico da UE e simultaneamente como sua fronteira mais ocidental, é uma ideia que não pode deixar de criar importantes rupturas comunicacionais, e de abrir portanto a porta a um reposicionamento de marca efectivo.
Depois, o Oceano contém dimensões comunicacionais muito positivas e diferenciadoras que podem e devem ser exploradas no âmbito de uma estratégia de reposicionamento qualitativo da «Marca Portugal». Dou alguns exemplos. O Oceano como factor ambiental, como componente determinante para a vida na terra e como regulador fundamental do clima no planeta. O Oceano como última fronteira da ciência e da tecnologia, e neste quadro os Açores como grande laboratório atlântico do planeta, ou seja o Oceano como símbolo de inovação e modernidade. O Oceano como fonte de energias limpas e alternativas (e é escusado sublinhar a actualidade deste conceito). O Oceano como espaço progressivamente mais importante de lazer e de turismo. O Oceano como cultura. Os exemplos podem multiplicar-se. Todas estas dimensões podem emprestar à «Marca Portugal» os atributos de qualidade, modernidade e diferenciação que hoje manifestamente não tem. Se associadas a um substrato económico e social real podem fazer pela «Marca Portugal» o que os atributos de «robustez e eficiência» fazem pelos produtos alemães ou o que a ideia de «requinte» faz pelos franceses e a de «design» faz pelos nórdicos. Dito de forma mais simplista, o Oceano como marca inteligentemente explorada nas suas várias dimensões pode aportar valor aos produtos portugueses, começando pelos resorts turísticos e acabando nos sapatos.
Relativamente ao segundo desafio que se nos depara - a especialização –o Oceano é igualmente incontornável. E digo que é incontornável por quatro razões principais. Primeiro porque a nossa realidade geográfica nos coloca numa posição claramente privilegiada em relação aos outros países europeus (é bom lembrar que Portugal tem uma área marítima sob sua jurisdição que é dezoito vezes maior que o seu território terrestre e que corresponde a grande parte do Mar da UE). Depois porque Portugal, apesar do desinvestimento feito nesta área, possui ainda um considerável know-how em sectores muito diversos que formam a tal base de substrato económico real que nos permite ambicionar fazer dos Oceanos uma área de especialização viável. Esse know-how e a ambicionada excelência existem em lugares tão diferentes como o Departamento de Oceanografia e Pescas da Universidade dos Açores, o Centro de Recursos minerais da Universidade Nova de Lisboa e até – para citar alguns exemplos mais directamente ligados à economia real - o Porto de Sines e os estaleiros de reparação naval da Lisnave. Não se trata pois de escolher uma área de especialização onde não tenhamos valias nem experiência. Muito longe disso. Depois porque o Oceano é um domínio onde as potencialidades económicas estão ainda largamente inexploradas. Está muito longe de estar descoberto todo o potencial dos produtos biotecnológicos extraídos de organismos marinhos, está muito longe de estar explorado todo o potencial de um porto de águas profundas como é o porto de Sines numa altura em que se o tráfego marítimo redobra de importância, e está provavelmente ainda mais longe a plena utilização dos recursos oceânicos como fonte de energia numa época de preços de crude galopantes. Os exemplos poderiam suceder-se mas manda a prudência que eu não nade, nesta matéria, para fora de pé. Finalmente, e esta é quarta das razões que queria invocar, porque Portugal não tem, ao nível dos seus recursos naturais, nem na agricultura, nem no seu subsolo, opções que possam constituir alternativas válidas a uma aposta no mar.
E a prova de que assim é – ou seja a prova de que a especialização no Oceano faz todo o sentido – é que a economia marítima tem já hoje uma expressão muito significativa na economia portuguesa. De acordo com um estudo que a Comissão Estratégica encomendou à Universidade Católica, esta terá representado em 2001 – só de forma directa – 5% do Valor acrescentado Bruto e 5% do emprego. Se às actividades dos sectores directamente relacionados com o mar juntarmos as actividades de sectores, que não tendo relação directa com este dele beneficiam indirectamente (estão neste caso por exemplo os sectores de exportação que beneficiam da proximidade de infra-estruturas portuárias, a indústria da construção civil e imobiliária que beneficiam da proximidade do mar por razões óbvias, etc.), então chegamos – segundo a Católica – a valores de 11% do PIB, 12% do emprego e 17% dos impostos indirectos.
Em suma, é minha (nossa) convicção profunda que o Oceano pode ter para Portugal um papel fulcral na resposta que temos imprescindivelmente de dar ao duplo problema do reforço da identidade e da necessidade de encontrar uma via de especialização para o país. É essa a Visão, a ideia, contagiante mas simples como todas as boas ideias, que animou um grupo absolutamente heterogéneo de cidadãos, de quadrantes políticos e backgrounds profissionais muito diversos, ao longo do laborioso processo da elaboração de uma estratégia nacional para o Oceano. Foi essa a Visão, foi o entusiasmo que ela suscita, que permitiu que trabalhássemos, na Comissão, em tempo recorde, deixando para trás afazeres profissionais e pessoais muitas vezes importantes. Foi essa Visão que permitiu que ultrapassássemos, aqui e ali, naturais divergências para aprovar o relatório final por unanimidade.
Infelizmente, como tantas vezes acontece em Portugal, com as mudanças de ciclos políticos, mudam as prioridades estratégicas do país (como se não fossem isso mesmo: prioridades estratégicas). E em resultado disso esta é hoje uma ideia, senão abandonada pelo menos largamente secundarizada. Mas como não gosto de desistir com facilidade das causas em que me empenho prometo continuar a insistir.
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