segunda-feira, 7 de maio de 2007

A fasquia de Sarkozy

Em teoria, após umas eleições, é normal entre os eleitores vitoriosos abrir-se um horizonte de esperança ou, pelo menos, de expectativa. Se um projecto político contém a semente de uma mudança radical relativamente a um status quo paralisante, essa esperança ainda se rasga mais e espera-se um ambiente e um movimento reformador que terá as suas principais resistências nas forças políticas derrotadas, nos hábitos dos cidadãos e na inércia das instituições.

A fasquia de Sarkozy é alta: “...acabar com a herança do Maio de 68”. Quer dizer, acabar com a revolução cultural da França esquerdista e anarca, pôr um ponto final num delírio que tem paralisado e atrasado a França, esvaziando-a da sua vitalidade e diminuindo o seu papel de liderança na Europa.
Metade da França quer mudar os quadros mentais que toldam a vida cultural, social e política, porque reconhece a limitação ao desenvolvimento que é o estado social, reivindicativo e proteccionista. A outra metade desejava apenas (como se fosse possível) fazê-lo progredir, entenda-se, ajustar um aspectos mas manter tudo essencialmente, na mesma.
Sarkozy, num discurso anti-Maio de 68, fala de regras, normas, respeito, moral, hierarquias, mérito, distinção entre bem e mal, valores, de direitos e, sobretudo, de deveres e fala de uma coisa, em Portugal proscrita, que é a Pátria e o patriotismo. “Eu amo a França, ela deu-me tudo o que eu sou e agora eu quero-lhe devolver tudo o que ela me deu”, disse no seu discurso de vitória (cito de memória). A França, enclausurada num mito de si mesma, acorda de repente virada para uma via que contraria o que tem sido a sua história recente. Precisa de se lembrar de si, do seu orgulho, da sua história, da sua liderança, para que volte a existir; e tudo isso que tem no fundo de si, na política, na arte e na ciência, está guardado numa arca de bens imateriais a que se chama Pátria. Para a esquerda, para os socialistas e os comunistas, estas são ideias perigosas, retrógradas e populistas (coisa que eles não fazem ideia do que seja dado descenderem de uma elite intelectual que repudia qualquer forma de propaganda, manipulação, ou insinuação!...), para os franceses que reconhecem a urgência da mudança são valores seguros de... identidade.
Se a França for bem sucedida todo o conjunto de países que tradicionalmente sofre as suas influências poderá vir a repensar e procurar os seus valores seguros de... identidade.
Esses valores não são a marca França, nem a França terá de se saber vender para vencer. Terá, isso sim, de relembrar os valores que reflectem o que em si há de melhor, os tais bens imateriais. Como todos os povos livres.

3 comentários:

Diogo disse...

O terrível cativeiro de quinze militares britânicos sob o regime de Ahmadinejad

Jon Stewart, do Daily Show, dá-nos, com extraordinário humor, uma imagem pungente do drama vivido pelos quinze militares britânicos enquanto reféns de Ahmadinejad, por alegadamente terem violado águas territoriais iranianas.

Stewart: estou certo que foram submetidos a todo o tipo de horrores. Foram obrigados a usar fatos de treino desirmanados. Tiveram de se entreter com jogos de sala e comer petiscos que se serviam nas festas nos anos oitenta. E foram obrigados a rir com naturalidade...

Vídeo - 2:20m

António de Almeida disse...

-Ainda bem que pelo menos desta vez os franceses tiveram bom senso, costumo dizer aos meus amigos, e tenho alguns franceses, "se queres enriquecer, compra um francês pelo que vale, e vende-o pelo que ele julga que vale", e os franceses que sempre tiveram a mania da superioridade sobre a Europa, mas que nunca passou dum equívoco em que só eles acreditam, desde Henrique V, que os dominou, a Napoleão que tentou dominar a Europa, mas ganhou...nada, passando por "De Gaulle", que sem os aliádos a esta hora talvez em Paris se falasse alemão, a França sempre foi um país de equívocos, a tarefa de Sarkozy, não se afigua fácil, mas é um homem de coragem, alguém que chama "os bois pelos nomes", alguém que apelida de escumalha quem é de facto escumalha, alguém que é a esperança de muitos franceses no respeito pela liberdade, pelo direito ao trabalho e a colher os seus frutos, sem estar à mercê dum bando de delinquentes que se consideram excluidos, sob a capa de marginalizados, mas cuja realidade é não quererem trabalhar, não esqueçamos que Sarkozy é ele próprio filho de emigrantes, que teve de subir a pulso, um exemplo a ser seguido pelas pessoas de bem, mas que os marginais e oportunistas da sociedade não gostam, nem podem gostar. Ontem, pela primeira vez nos últimos anos, senti simpatia pela França e pelos franceses.

Inez Dentinho disse...

Quem diria que era possível sentir esperança em França com base na eleição de um só homem? A verdade é que gostei do que vi e ouvi. A amizade (aos EUA) condicionada ao bem comum na exigência da defesa ambiental; a urgência da união entre os povos do Mediterrâneo; a atenção imperativa ao Continente africano; o reforço da identidade francesa na defesa dos oprimidos em todo o mundo. Gostei do apelo ao trabalho, das ideias claras sobre as fronteiras não asiáticas da UE e do respeito pelos vencidos nas mesmas eleições. Que contraste com o discurso de S.Royal quase favorecedor da agressividade na rua!
A França e o mundo cansaram-se das peneiras gaulistas e da adolescência grisalha do Maio de 68. A maçã estava pronta e Sarkosy entendeu a gravidade. Pode ser uma «naiveté» acreditar na possibilidade de uma regeneração que parte de dentro do sistema. Mas do que vivemos senão de esperanças?
Inez Dentinho