O SOBREVIVENTE
Já sentiu o gelo de um fio de espada prestes a cortar-lhe o pescoço? Caramba, os tempos estão maus, mas nada, nem Correia de Campos, nem a subita incontinência dos índices do desemprego, se comparam, no nosso dia a dia, ao horror de uma decapitação.
Esse medo, fininho e frio, experimenta-o Saigo, soldado japonês, herói menor das “Cartas de Iwo Jima”, o filme de Clint Eastwood. Saigo é um simples soldado. Humano, manhoso e, à sua maneira, honesto. Está, ele e 20 mil homens, à espera do ataque americano. E está mal na pele irremediável de um herói condenado a lutar até morrer. A pele de que ele gosta, a única em que está bem, é a sua própria pele. Aí sim! Ri-se. Come. Safa-se. Trabalha e conspira: ou talvez trabalhe porque conspira. Numa carta à mulher conta-lhe o que faz, enquanto os americanos não chegam: “Nós, os soldados, cavamos. Cavamos todo o santo dia. Cavamos o buraco em que vamos lutar e vamos morrer. Estarei eu a cavar a minha própria sepultura?”
Tanta dúvida, tanto amor à vida, quase o levam, por duas vezes, à morte. Por espancamento, primeiro; por decapitação, depois. Ambas determinadas por uma fanática hierarquia. Salva-o o general Kuribayashi, enviado pelo Exército Imperial Japonês para comandar a resistência à invasão americana.
Enquanto o antigo comando, um velho almirante, defende que a defesa deve basear-se numa linha de trincheiras cavadas na praia, o general Kuribayashi entende que a única forma de atrasar os Americanos é rasgar túneis nas rochas, lá no alto das montanhas que dominam toda a praia. Entalado entre duas estratégias militares antagónicas, Saigo, o soldado (qual soldado?! É um padeiro com saudades da mulher e da filha!) é salvo duas vezes pelo General, e é salvo outra vez pelo destino, quando quase participa na deserção que mata dois camaradas seus. Já sabíamos que ele era o favorito do General, sabemos agora que é também o favorito de Deus.
Clint Eastwood não pensou nisso, Saigo, o soldado-padeiro, ainda menos, mas tudo nele aponta e remete para o português típico. Como Saigo, o homem português tem as suas melhores armas numa certa candura manhosa, num riso despropositado, numa incorrecção política que nunca verdadeiramente pensou. E na ajuda de Nossa Senhora de Fátima que eu, incapaz de negar uma fé que não sinto, não ouso desdenhar.
Também entalado entre um passado de velhos almirantes e um presente de modernos Kuribayashi (convenhamos, mais Sócrates do que Marques Mendes) que o querem arrancar das trincheiras da praia para o levar aos túneis da montanha, o português típico pode parecer resignar-se mas, como a Saigo, só lhe interessa a própria sobrevivência.
Sobreviverá? Espancado por uma economia para que ninguém o preparou, competitiva, feroz (os japoneses também se iludiam a pensar que os soldados americanos não estavam preparados e eram cobardes), ameçado pelo fio da espada de uma globalização a que nenhuma moderna Iwo Jima resistirá, ao português banal, mais padeiro do que soldado, tal e qual como a Saigo, o japonês, resta apenas o refúgio de um riso cândido e as saudades doidas de voltar a ver a mulher. E é este delicado e singular traço de humanidade que faz dele um sobrevivente.
Esse medo, fininho e frio, experimenta-o Saigo, soldado japonês, herói menor das “Cartas de Iwo Jima”, o filme de Clint Eastwood. Saigo é um simples soldado. Humano, manhoso e, à sua maneira, honesto. Está, ele e 20 mil homens, à espera do ataque americano. E está mal na pele irremediável de um herói condenado a lutar até morrer. A pele de que ele gosta, a única em que está bem, é a sua própria pele. Aí sim! Ri-se. Come. Safa-se. Trabalha e conspira: ou talvez trabalhe porque conspira. Numa carta à mulher conta-lhe o que faz, enquanto os americanos não chegam: “Nós, os soldados, cavamos. Cavamos todo o santo dia. Cavamos o buraco em que vamos lutar e vamos morrer. Estarei eu a cavar a minha própria sepultura?”
Tanta dúvida, tanto amor à vida, quase o levam, por duas vezes, à morte. Por espancamento, primeiro; por decapitação, depois. Ambas determinadas por uma fanática hierarquia. Salva-o o general Kuribayashi, enviado pelo Exército Imperial Japonês para comandar a resistência à invasão americana.
Enquanto o antigo comando, um velho almirante, defende que a defesa deve basear-se numa linha de trincheiras cavadas na praia, o general Kuribayashi entende que a única forma de atrasar os Americanos é rasgar túneis nas rochas, lá no alto das montanhas que dominam toda a praia. Entalado entre duas estratégias militares antagónicas, Saigo, o soldado (qual soldado?! É um padeiro com saudades da mulher e da filha!) é salvo duas vezes pelo General, e é salvo outra vez pelo destino, quando quase participa na deserção que mata dois camaradas seus. Já sabíamos que ele era o favorito do General, sabemos agora que é também o favorito de Deus.
Clint Eastwood não pensou nisso, Saigo, o soldado-padeiro, ainda menos, mas tudo nele aponta e remete para o português típico. Como Saigo, o homem português tem as suas melhores armas numa certa candura manhosa, num riso despropositado, numa incorrecção política que nunca verdadeiramente pensou. E na ajuda de Nossa Senhora de Fátima que eu, incapaz de negar uma fé que não sinto, não ouso desdenhar.
Também entalado entre um passado de velhos almirantes e um presente de modernos Kuribayashi (convenhamos, mais Sócrates do que Marques Mendes) que o querem arrancar das trincheiras da praia para o levar aos túneis da montanha, o português típico pode parecer resignar-se mas, como a Saigo, só lhe interessa a própria sobrevivência.
Sobreviverá? Espancado por uma economia para que ninguém o preparou, competitiva, feroz (os japoneses também se iludiam a pensar que os soldados americanos não estavam preparados e eram cobardes), ameçado pelo fio da espada de uma globalização a que nenhuma moderna Iwo Jima resistirá, ao português banal, mais padeiro do que soldado, tal e qual como a Saigo, o japonês, resta apenas o refúgio de um riso cândido e as saudades doidas de voltar a ver a mulher. E é este delicado e singular traço de humanidade que faz dele um sobrevivente.
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