quinta-feira, 12 de abril de 2007

EM DEFESA DOS PECADILHOS

Sempre me pareceu perigoso, quando nos referimos aos nossos governantes e políticos, fazer uma exagerada apologia da virtude. A coisa presta-se com facilidade a populismos desbragados que, sendo certo que fazem o encanto dos media e do povo da televisão, pouco contribuem para a saúde das nossas democracias. Os políticos, tal como qualquer um de nós, têm direito à sua quota de pecadilhos e de tropelias menores. Não perceber isto e exigir dos nossos governantes padrões éticos e morais substancialmente mais exigentes do que os que usamos para fazer a avaliação do comum dos mortais não é apenas um inútil intenção piedosa. É uma estupidez perigosa. Desde logo porque só pode conduzir a uma fragilização desnecessária do nosso sistema político e a um aumento de instabilidade governativa que, convenhamos, é um problema em si mesma. E depois porque, ao violarmos uma esfera de privacidade razoável dos nossos governantes e políticos, abrimos um caminho perigosamente iliberal que, a prazo, só pode trazer más notícias para a nossa própria liberdade individual.
Vem isto tudo a própósito, já o terão intuído, da polémica aberta em torno do curso do nosso Primeiro. E reitero, a propósito deste caso concreto, tudo o que acabei de defender em tese. Não estou - e valha a verdade ninguém parece fazer disso o cerne da questão - minimamente interessado em saber se José Sócrates é doutor ou engenheiro. Mas ao contrário de muitos, não estou também minimamente interessado em saber se o Primeiro Ministro se fez passar ou se deixou fazer passar por algo que, em rigor, não será exactamente. Remeto a questão para o âmbito dos pecadilhos sem a menor relevância. E não tenho dúvidas em afirmar que, neste país onde qualquer treinador da liga de honra tem direito a ser tratado por professor, ver nesta saloia tropelia uma «falha de carácter» (para usar a expressão de Marques Mendes) é um exercício de pura (e perigosa) hipocrisia.
É óbvio que o ar dos tempos não se coaduna com este tipo de condescêndencias. É infinitamente mais sexy e mais politicamente correcto fazer a apologia da virtude absoluta e apontar com hipócrita indignação esta mácula de soberba subitamente descoberta nas vestes que deveriam ser virginalmente imaculdas do Primeiro-Ministro. Mas como felizmente tenho o privilégio imenso de não ter de ter ir a votos nem ser candidato a miss simpatia, com a minha me fico. E estou absolutamente convencido de que, se mais me seguissem o exemplo, mais tempo teriam para fazer a única pergunta que verdadeiramente interessa: Sócrates usou ou não da sua influência como Secretário de Estado do Ambiente para conseguir condições inaceitavelmente especiais para concluir a licenciatura? O resto é conversa.

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