A COISA EM TODA A SUA NUDEZ
Ia na rua, no Bairro Azul, e vem-me à ideia o Eça. Eu saltitava entre as crateras que agora abriram, mesmo em frente ao Corte Inglés, e sai-me o Eça. Confesso que saltitava com alegria e atlético pundonor, distraidamente enternecido com a forma como o português ama as suas ruas, cravando-lhes os dedos nas costas, rasgando-lhes a pele com as unhas, saltando-lhes em cima com todas as suas forças...
E foi assim que tropecei no Eça, na história do livro, filho e árvore. À minha volta canos, pedregulhos, covas fundas: um caos que convidava, de facto, a um sereno balanço. Filha, tenho uma; livros, se o cinema conta, escrevi vários. Cavei (menos do que o pessoal que invadiu o Bairro Azul) e plantei pelo menos uma árvore: em momentos de desvario devo ter semeado outras que cresceram ao deus-dará, nada me admirando que um dia destes me caiam em cima as chatices dos respectivos processos de paternidade.
Tenho um amigo (ou são dois?) que me faz perguntas. Não o vejo há anos, perdido que anda entre o Canadá e a China. “O que é que queres mais” diz-me ele! “Filha, livro e árvore, não te chegam?!” Já a virar a esquina da Ressano Garcia, a voz telepática do meu amigo, cortando como um primeiro violino a orquestra de martelos pneumáticos, atira-me com a coisa em toda a sua nudez: “Então, porque é que te vais meter num blog?”
Porque posso, digo-lhe e tranquilizo-me. Se o recente vencedor dos “Grandes Portugueses” ainda por cá andasse e mandasse, não poderia. Muito pior, se vivesse na URSS do terrível Koba, não poderia: aqui e agora posso. Escrever num blog é uma ociosa afirmação de mim. Menos diletante do que parece: para que surgisse a inútil afirmação dos meus gostos e memórias, do sexo de que gosto ou de que não gosto, da minha cultura e religião ou da falta delas, foram precisos séculos que criassem o que Roger Scruton chama a “pessoa humana”. É por culpa desse culto do indivíduo e da sua liberdade que este pequeno luxo merece a pena.
Os blogs, a rede, são só mais uma rua, mais um bairro. Ainda mais caótico, ainda mais lunar do que o Bairro Azul. De mim, se alguma coisa prometo, é boa vizinhança.
E foi assim que tropecei no Eça, na história do livro, filho e árvore. À minha volta canos, pedregulhos, covas fundas: um caos que convidava, de facto, a um sereno balanço. Filha, tenho uma; livros, se o cinema conta, escrevi vários. Cavei (menos do que o pessoal que invadiu o Bairro Azul) e plantei pelo menos uma árvore: em momentos de desvario devo ter semeado outras que cresceram ao deus-dará, nada me admirando que um dia destes me caiam em cima as chatices dos respectivos processos de paternidade.
Tenho um amigo (ou são dois?) que me faz perguntas. Não o vejo há anos, perdido que anda entre o Canadá e a China. “O que é que queres mais” diz-me ele! “Filha, livro e árvore, não te chegam?!” Já a virar a esquina da Ressano Garcia, a voz telepática do meu amigo, cortando como um primeiro violino a orquestra de martelos pneumáticos, atira-me com a coisa em toda a sua nudez: “Então, porque é que te vais meter num blog?”
Porque posso, digo-lhe e tranquilizo-me. Se o recente vencedor dos “Grandes Portugueses” ainda por cá andasse e mandasse, não poderia. Muito pior, se vivesse na URSS do terrível Koba, não poderia: aqui e agora posso. Escrever num blog é uma ociosa afirmação de mim. Menos diletante do que parece: para que surgisse a inútil afirmação dos meus gostos e memórias, do sexo de que gosto ou de que não gosto, da minha cultura e religião ou da falta delas, foram precisos séculos que criassem o que Roger Scruton chama a “pessoa humana”. É por culpa desse culto do indivíduo e da sua liberdade que este pequeno luxo merece a pena.
Os blogs, a rede, são só mais uma rua, mais um bairro. Ainda mais caótico, ainda mais lunar do que o Bairro Azul. De mim, se alguma coisa prometo, é boa vizinhança.
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