quinta-feira, 7 de agosto de 2025

Como reconhecer um filisteu

 

1.  1. Se um académico invoca a ciência junto do público é preciso ver o que anda a escrever nas universidades. Se diz que não existe «a verdade», «o referente» que a ciência mais não é que um ritual como qualquer outro, sem superioridade em relação a um ritual de selvagens, temos de o tratar como um selvagem e ignorar a autoridade que invoca e nega ao mesmo tempo consoante os destinatários.

2.    2.  Não dar a informação sobre os autores de crimes porque isso pode aumentar o racismo é sinal de que se acha que o povo é diminuído intelectualmente. São discípulos de Salazar: «se soubesses o que custa mandar querias obedecer toda a vida». Quem faz censura, quem quer censura defende a existência de uma polícia política.

3.  3. Os tiranos gregos sabiam como enfraquecer o poder dos povos que governavam. Importavam populações que diminuem o laço social entre os seus súbditos e assim enfraqueciam o poder de contestação dos povos. Mas exigir conhecimento de cultura grega a catedráticos é inglória esperança. Leram obras dos últimos cinquenta anos, porque o fiat lux nas suas pobres cabeças é de data tão recente quanto a sua nobreza. Quando peroram os que não sabem, só cativam quem não sabe o que eles ignoram.

4.   4. Quem acha que o povo não pode decidir algo ou não deve saber se algo está a dar-se um estatuto aristocrático. Havia um antigo critério entre a alta nobreza: se quiseres reconhecer a origem de alguém olha-lhe para o seu perfil e para as mãos. Quando se vir um perfil burgesso e mãos de talhante estamos apenas a ver um ressentido que gostava de ter nascido brâmane quando é de reles origem.

5.    5. Todas as sociedades multiculturais foram de violência cíclica. Assim em relação a cristãos e judeus na Pérsia sassânida, nos impérios árabe e otomano, e em relação aos judeus na Alexandria dos Ptolemeus e nos reinos cristãos. Querer multiculturalismo é aceitar violência cíclica.

6.    6. Todas as ciências sociais assentam num axioma: a recusa do sofisma da composição. O todo não é igual à soma das partes, há fenómenos colectivos. Quem acha válido o argumento «a maioria dos muçulmanos é boa gente» tem de ao mesmo tempo exigir o encerramento dos cursos de ciências sociais.

7.    7. Os que criticam o etnocentrismo são os mais etnocêntricos porque esquecem que ser outra cultura é ser efectivamente diferente. Dizer que todos querem ser livres é esquecer que em árabe e turco a palavra liberdade surge por influência cristã no século XIX, quando já no século XIII e XIV todos pensadores europeus nela falavam: Duns Scoto, São Tomás Marsílio de Pádua, etc.

8.    8. Se alguém disser que todas as culturas são iguais está a produzir uma afirmação universal empírica. Para o poder afirmar precisa de conhecer todas as culturas. Senão o que diz é arbitrário. Usemos os métodos dos matemáticos. Demos um contra-exemplo. A cultura alemã é infinitamente superior à turca. Quem ache o contrário use um telemóvel baseado na física e na matemática turca enquanto ouve as sinfonias turcas e os escritores e filósofos turcos. Está dado o contra-exemplo. Perante isto percebe-se que não é uma afirmação mas uma imposição, um mero exercício de poder.

9.     9. Da mesma forma, quem condena publicamente a pós-verdade - ou conceitos bárbaros quejandos que em bom vernáculo querem apenas dizer mentiras - tem de ser confrontado com obras que escreva para as faculdades dizendo que a verdade é conceito vazio, arbitrário, mera imposição de poder. Se diz que não existe a verdade não tem autoridade para condenar quem a nega.

1010. A quem se diz aberto a outras culturas tem de se perguntar porque não sabe nada da sua. Um europeu que não saiba latim, grego, matemática e teologia não percebe nada da Europa. Se quiser ir além do que não sabe apenas quer estender a sua ignorância

1111. Os primeiros que abandonaram o primado da História ou a desprezam e ignoram sem mais são também os primeiros a usar conceitos de síntese histórica como judaico-cristão patriarcado opressão das mulheres num eterno presente sem comparação informada no tempo e no espaço. Mais uma duplicidade: oráculos da História (de uma História congelada, ficcionada e estéril é certo) fora das universidades, descuram-na dentro delas.

1212. Esquerda e direita falam de valores mas nas universidades ensinam Foucault e Derrida que dizem que realidade são relações de poder. No fundo o que os fascina é o poder, mesmo se a sua língua apenas sabe falar de valores. Em todas as épocas os burros se babam com os tartufos.

1313. Poder exactamente. Os hindus acham as vacas sagradas e não fazem manifestações contra os MacDonalds. Os jinaístas são vegetarianos e não querem fechar matadouros. Os budistas acham graça a imagens de Buda gordos a sorrir. Há uma religião que se quer impor no espaço público não só exigindo a sua presença como impondo a ausência das outras. Imagine-se qual. A que pretende conquistar o poder e por isso gera o medo dos políticos de esquerda e direita. 

1414. São os que se dizem pós-modernos e negam essências que dizem que o islão é necessariamente tolerante e a Europa é necessariamente colonialista. Tanta contradição seria poética se não viesse de esfacelos.

 

Perguntam em que aspectos a nossa época será objecto de  risota pelos futuros? Acabei de dar alguns exemplos. Quando ouvimos mestres do positivismo e radicais socialistas do século XIX demonstrar a superioridade da raça branca achamos ridículo? Pois achemos desde já ridículas estas criaturas que nasceram para serem apenas fósseis. Daqui a cem anos este texto será mais visto como lúcido que as teses de doutoramento que apenas cacarejam que todos esperam ouvir. Deus tenha as sua almas em descanso, porque as suas inteligências os precederam na tumba.

 

Alexandre Brandão da Veiga

 

 

 

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