Como reconhecer um filisteu
1. 1. Se um académico invoca a ciência junto do público
é preciso ver o que anda a escrever nas universidades. Se diz que não existe «a
verdade», «o referente» que a ciência mais não é que um ritual como qualquer
outro, sem superioridade em relação a um ritual de selvagens, temos de o
tratar como um selvagem e ignorar a autoridade que invoca e nega ao mesmo
tempo consoante os destinatários.
2. 2. Não dar a informação sobre os autores de
crimes porque isso pode aumentar o racismo é sinal de que se acha que o povo
é diminuído intelectualmente. São discípulos de Salazar: «se soubesses o
que custa mandar querias obedecer toda a vida». Quem faz censura, quem quer
censura defende a existência de uma polícia política.
3. 3. Os tiranos gregos sabiam como enfraquecer
o poder dos povos que governavam. Importavam populações que diminuem o laço social
entre os seus súbditos e assim enfraqueciam o poder de contestação dos povos. Mas
exigir conhecimento de cultura grega a catedráticos é inglória esperança. Leram
obras dos últimos cinquenta anos, porque o fiat lux nas suas pobres
cabeças é de data tão recente quanto a sua nobreza. Quando peroram os que não
sabem, só cativam quem não sabe o que eles ignoram.
4. 4. Quem acha que o povo não pode decidir algo
ou não deve saber se algo está a dar-se um estatuto aristocrático. Havia um
antigo critério entre a alta nobreza: se quiseres reconhecer a origem de alguém
olha-lhe para o seu perfil e para as mãos. Quando se vir um perfil burgesso e
mãos de talhante estamos apenas a ver um ressentido que gostava de ter nascido
brâmane quando é de reles origem.
5. 5. Todas as sociedades multiculturais foram
de violência cíclica. Assim em relação a cristãos e judeus na Pérsia sassânida,
nos impérios árabe e otomano, e em relação aos judeus na Alexandria dos
Ptolemeus e nos reinos cristãos. Querer multiculturalismo é aceitar
violência cíclica.
6. 6. Todas as ciências sociais assentam num
axioma: a recusa do sofisma da composição. O todo não é igual à soma das
partes, há fenómenos colectivos. Quem acha válido o argumento «a maioria dos
muçulmanos é boa gente» tem de ao mesmo tempo exigir o encerramento dos
cursos de ciências sociais.
7. 7. Os que criticam o etnocentrismo são os
mais etnocêntricos porque esquecem que ser outra cultura é ser efectivamente
diferente. Dizer que todos querem ser livres é esquecer que em árabe e
turco a palavra liberdade surge por influência cristã no século XIX, quando já
no século XIII e XIV todos pensadores europeus nela falavam: Duns Scoto, São
Tomás Marsílio de Pádua, etc.
8. 8. Se alguém disser que todas as culturas são
iguais está a produzir uma afirmação universal empírica. Para o poder afirmar
precisa de conhecer todas as culturas. Senão o que diz é arbitrário. Usemos os
métodos dos matemáticos. Demos um contra-exemplo. A cultura alemã é
infinitamente superior à turca. Quem ache o contrário use um telemóvel baseado
na física e na matemática turca enquanto ouve as sinfonias turcas e os
escritores e filósofos turcos. Está dado o contra-exemplo. Perante isto
percebe-se que não é uma afirmação mas uma imposição, um mero exercício de
poder.
9. 9. Da mesma forma, quem condena publicamente
a pós-verdade - ou conceitos bárbaros quejandos que em bom vernáculo querem
apenas dizer mentiras - tem de ser confrontado com obras que escreva para as
faculdades dizendo que a verdade é conceito vazio, arbitrário, mera imposição
de poder. Se diz que não existe a verdade não tem autoridade para condenar
quem a nega.
1010. A quem se diz aberto a outras culturas tem
de se perguntar porque não sabe nada da sua. Um europeu que não saiba latim,
grego, matemática e teologia não percebe nada da Europa. Se quiser ir além do
que não sabe apenas quer estender a sua ignorância.
1111. Os primeiros que abandonaram o primado da
História ou a desprezam e ignoram sem mais são também os primeiros a usar
conceitos de síntese histórica como judaico-cristão patriarcado opressão das
mulheres num eterno presente sem comparação informada no tempo e no espaço. Mais
uma duplicidade: oráculos da História (de uma História congelada, ficcionada
e estéril é certo) fora das universidades, descuram-na dentro delas.
1212. Esquerda e direita falam de valores
mas nas universidades ensinam Foucault e Derrida que dizem que realidade são
relações de poder. No fundo o que os fascina é o poder, mesmo se a sua língua
apenas sabe falar de valores. Em todas as épocas os burros se babam com os
tartufos.
1313. Poder exactamente. Os hindus acham as
vacas sagradas e não fazem manifestações contra os MacDonalds. Os jinaístas são
vegetarianos e não querem fechar matadouros. Os budistas acham graça a imagens
de Buda gordos a sorrir. Há uma religião que se quer impor no espaço público
não só exigindo a sua presença como impondo a ausência das outras. Imagine-se
qual. A que pretende conquistar o poder e por isso gera o medo dos
políticos de esquerda e direita.
1414. São os que se dizem pós-modernos e negam
essências que dizem que o islão é necessariamente tolerante e a Europa é
necessariamente colonialista. Tanta contradição seria poética se não
viesse de esfacelos.
Perguntam em que aspectos
a nossa época será objecto de risota pelos
futuros? Acabei de dar alguns exemplos. Quando ouvimos mestres do positivismo e
radicais socialistas do século XIX demonstrar a superioridade da raça branca
achamos ridículo? Pois achemos desde já ridículas estas criaturas que nasceram
para serem apenas fósseis. Daqui a cem anos este texto será mais visto como lúcido
que as teses de doutoramento que apenas cacarejam que todos esperam ouvir. Deus tenha as sua almas
em descanso, porque as suas inteligências os precederam na tumba.
Alexandre Brandão da
Veiga