Ai dos vencidos
O lugar-comum é o de que é a versão da História dos
vencedores que prevalece. Quando se vê um grupo de académicos, estes trocam
olhares e sorrisos - acto sempre suspeito - quando um deles diz isto. Os outros
concordam porque é sina dos académicos de muitas épocas a de concordarem entre
si. Realizaram o ritual e ficam todos felizes.
A questão é que este lugar-comum não é apenas superficial: é
falso. E falso de uma forma que é visível para qualquer ser pensante.
Dou três contra-exemplos, três vezes mais do que se exige em
matemática para destruir um teorema.
O lugar-comum de que a História se conta do lado dos
vencedores é em parte romana, mas são os próprios romanos que falam dos
vencidos vencedores. Embora haja sinais de desprezo em relação aos gregos (os graeculi,
os gregozecos, diríamos) são os romanos que aceitam as teorias de Políbio sobre
o seu sistema político misto de democracia, aristocracia, monarquia, seguem a
filosofia grega, os deuses gregos, a língua e a literatura. E não é coisa de
intelectuais, de minorias. As elites do Oriente Romano, todas elas, falam grego
e acabam por esquecer o latim. Ai dos vencidos?
Os judeus são um povo de vencidos. Nunca fizeram um império,
o seu apogeu foi o reino de um Salomão que mais não era que um régulo de um
principado menor, foram dominados por babilónios, persas, gregos, romanos,
europeus, árabes, otomanos e outros turco-mongóis... A sua cultura nunca teve o
brilho da grega ou romana. Mas Deus incarnou num judeu, e a maior religião do
mundo cita Israel como a sua origem e o seu destino. Ai dos vencidos?
Os muçulmanos são também vencidos. Mesmo os que têm mais
simpatia pela sua filosofia, como Henry Corbin, reconhecem que depois do século
XIII deixaram de produzir filosofia. Se os turcos têm artilharia é graças a
engenheiros húngaros e outros europeus. Não há um único teorema com o nome de
um muçulmano. Como civilização, independentemente do valor que se lhe atribua
até ao século XII ou XIII, nada de relevante fez. E, no entanto, a Europa
diz-se em dívida para com o turco que a explorou até ao século XX, e o norte
africano que raptava europeus para os vender nos mercados de Istambul e de
Cairo até ao início do século XIX. Ai dos vencidos?
Vae uictis, ai dos vencidos. É a versão da História dos vencedores que
prevalece? Ou a frase é falsa, ou é de lenda que fala ou se tem de repensar o
que se pretende dizer com vitória.
Alexandre Brandão da Veiga