Três ideias sobre Nietzsche I
Em transumância passo uma
vez mais por Nietzsche. Não queria fazer um tratado, mas apenas observações.
Mais precisamente três.
Em primeiro lugar,
Nietzsche vem da filologia clássica. Pouco vejo estudados os efeitos da origem
dos filósofos sobre o seu estilo, as suas temáticas, as suas preocupações, os
seus métodos. Leibniz traz para o seu pensamento a sua origem universal. Mas também
a marca da sua formação académica, jurídica, lógica e matemática. Basta ler
algumas páginas, e percebemos que estamos perante um génio da matemática. Nietzsche
é de formação filólogo. Como Chesterton dizia que a época actual está cheia de
ideias cristãs tornadas loucas, Nietzsche está cheio de técnicas filológicas tornadas
loucas. Algo parecido disse o seu mestre Ritschl sobre a sua «Origem da Tragédia».
Os filólogos são os
atentos aos textos, por definição. Que seria um filólogo que, mantendo todas as
suas técnicas de filologia, tivesse abandonado a base de tudo o que faz a filologia,
ou seja, a atenção ao texto? Que aconteceria caso um filólogo mantivesse todo o
seu conhecimento de estilo, de cláusulas de prosa clássica, de organização dos
textos, mas abandonasse o terreno que por definição deve sulcar? Que se passaria
caso um agricultor passasse o seu arado, não pelos campos, mas pelos céus? Um
anti-Ulisses que lavra na praia, em suma?
Estas perguntas não são
questões de fantasia. Porque a resposta é sempre a mesma. Esta personagem existiu,
tem um nome, chama-se Nietzsche.
Aluno da escola de Pforta,
filólogo de formação, traz as marcas desse facto em tudo o que faz. Não só no
seu estilo, e na sua visão do estilo. Mas a ideia de «kalos kai agathos», do
belo e aristocrata, a preferência pelos pré-socráticos, por exemplo. Em boa
verdade, nesse aspecto é um reaccionário. Já no século XVIII os primitivistas
ingleses tinham como ideal o que veio ainda antes dos pré-socráticos. Apenas se
salvava a poesia, e a poesia primitiva, a de Homero, talvez Píndaro.
De uma forma ou de outra,
sem a filologia, Nietzsche não se compreende. É a sua casa de origem, o seu
ambiente natural, como matemática o é para Leibniz.
A segunda asserção está
mais ligada à primeira do que parece. Nietzsche achava a sua primeira natureza demasiado
marcada pela piedade. A sua educação cristã tinha tido mais peso nele do que gostaria.
Ou, em boa verdade, talvez seja algo de bem mais tenebroso para as suas
teorias. Não vítima de uma educação, mas de um temperamento, ou melhor de uma
natureza profunda. Nietzsche, vergonha sua, era piedoso.
A sua ambição era inculcar-se
uma segunda natureza, forçosamente menos piedosa, menos suave, mais guerreira.
Assim pensava adequar-se mais ao modelo do herói homérico, do «kalos kai
agathos». Parece coerente, parece coerente, mas não é. Porque queria ser mais animal.
Queria ser um predador. Mas não era.
O herói homérico, o aristocrata
indo-europeu em geral, é um animal de grande porte, um predador nato. Não é por
acaso que a tradição europeia é a de que os nobres sejam militares ou padres,
de uma forma ou de outra para ambos é necessário que o instinto predador esteja
saudável, seja forte, intenso. O aristocrata faz precisamente o contrário de
Nietzsche. Sabendo-se predador, carece de uma ética. A sua segunda natureza é
mais piedosa. É essa que lhe é inculcada desde a infância. Os limites é o que
falta a Aquiles. Os limites é o que falta a Héracles. Os limites é o que falta
a todo o donzel fogoso da aristocracia europeia.
Ao jovem aristocrata é inculcada
uma segunda natureza, é verdade. Mas exactamente a inversa da que Nietzsche se
queria impor, porque de natureza são aristocratas. Nietzsche tinha como projecto
ser um aristocrata, e quis colocar no topo o que num nobre é a sua base.
E também aqui o seu projecto
falhou.
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